Sidonie no Japão (2023) e Tokyo Heaven (1990): O luto fantasmagórico







O Japão é conhecido internacionalmente por sua diversidade de fantasmas. A cultura japonesa abraça essas figuras sobrenaturais de inúmeras formas, desde o folclore tradicional até o cinema contemporâneo. De maneira quase poética, é como se os habitantes do país dessem uma autorização simbólica para que esses espectros pudessem circular livremente pelo território japonês, independente de suas intenções.

Dentro da singularidade de cada um, existem os fantasmas maléficos que fazem parte do imaginário dos filmes de horror, mas há também aqueles que assombram os vivos de uma forma gentil, como uma espécie de vestígio de questões não resolvidas. Pensando nessa dicotomia fantasmagórica, gostaria de falar sobre dois filmes que abordam o sobrenatural no Japão de uma maneira mais contemplativa e melancólica.

Sidonie no Japão (2023)

Dirigido pela cineasta francesa Élise Girard, Sidonie no Japão (Sidonie au Japon, 2023) acompanha Sidonie Perceval (Isabelle Huppert), uma escritora em luto pela perda do marido, que viaja ao Japão para a divulgação do relançamento de seu primeiro livro. Em solo japonês, ela começa a ser assombrada pelo fantasma de seu falecido marido, Antoine (August Diehl) — algo que jamais havia ocorrido enquanto vivia na França.

O longa é uma espécie de fábula que abraça a sobrenaturalidade do Japão para falar de luto e a continuidade da vida. Sidonie está enclausurada dentro de um invólucro de pesar e tristeza que a impede de seguir em frente depois de uma perda tão significativa em sua vida. Mesmo sem poder ser visto em solo francês, a morte trágica de Antoine a assombra através das memórias de uma vida compartilhada. O fantasma do marido ressurge de forma paupável em solo japonês como uma forma delicada de estabelecer um encerramento para a história dos dois. É uma espécie de convite para que Sidonie continue vivendo.






SIDONIE: Kenzo, eu vi o meu marido. Em carne e osso. No meu quarto. Foi por isso que fui embora

KENZO: Está dizendo que viu o fantasma dele?

SIDONIE: Você acredita em fantasmas?

KENZO: No Japão, eles vivem no meio de nós. Se ele está aqui, é porque ainda há algo a ser resolvido.


Tokyo Heaven (1990)

Tokyo Heaven (1990), longa dirigido por Shinji Sōmai, é um pouco mais polêmico do que Sidonie no Japão. Apesar do tom fantasioso e melodramático, Sömai usa a fantasia para falar de temas bem sérios, como a exploração de corpos femininos pela indústria da moda. O longa acompanha Yuu Kamiya (Riho Makise), uma jovem modelo que está participando de uma campanha muito famosa. Ela morre ao tentar fugir de um assédio sexual e desperta em um limbo onírico celestial. Ao invés de se tornar uma espécie de yürei vingativa ou um ser translúcido após a morte, ela ganha uma segunda chance para voltar para a terra em um corpo de carne e osso. Só existe uma prerrogativa: ela não deve entrar em contato com as pessoas de sua vida anterior.

Enquanto uma parte de si se sente tentada à vingança, o retorno de Yuu funciona mais como uma forma de aceitação de sua nova realidade. É também uma verdadeira viagem de autoconhecimento, visto que a jovem passou a maior parte da adolescência inserida em um universo onde somente o seu exterior era relevante. Apesar de lutar contra a mortalidade, a manequim usa a sua segunda chance para dar um fechamento às lacunas que ficaram abertas. Em um primeiro momento, ela passa a acreditar que não faz nenhum sentido retornar ao mundo dos vivos com uma nova identidade. Mas, aos poucos, Yuu percebe que recebeu uma oportunidade rara para poder observar a sua vida anterior como uma espectadora, em terceira pessoa, conseguindo enxergar nuances que lhe eram imperceptíveis quando ainda estava imersa naquelas situações. Arrancada do mundo dos vivos de forma tão abrupta, Yuu finalmente toma consciência de sua própria história e está pronta para, enfim, aceitar o seu fim de forma digna.

Sidonie no Japão e Tokyo Heaven não possuem muita similaridade em termos de narrativa, mas mostram que os seres fantasmagóricos do Japão não servem apenas para provocar sustos. Eles também podem ser metáforas visuais do luto, de situações traumáticas e de questões que precisam ser encerradas. Em ambos os filmes, os cineastas mostram que os fantasmas, quase sempre, são um espelho do que está dentro de nós. 

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