Antes de começar a falar sobre a parte judicial do caso, gostaria de falar um pouco sobre a dinâmica da família.
Jose e Kitty
Jose Enrique Menendez era cubano e havia imigrado para os EUA aos 16 anos. Ele pertencia a uma família rica que perdera seu status depois da Revolução Cubana. Menendez guardou muito ressentimento em relação a Fidel Castro por toda a sua vida, tanto que tinha planos de se tornar senador pelo estado da Flórida. Segundo Erik, Jose queria que Cuba fosse indexada aos EUA. O país seria uma espécie de território como ocorre com Puerto Rico.
Os pais de Jose eram dois atletas cubanos de elite. Jose Menendez Pavo, conhecido como Pepin, teve uma exitosa carreira como jogador de futebol. Maria Carlota Llanio era uma nadadora profissional que conquistou várias medalhas nos Jogos Olímpicos da América Central e Caribe. Ela chegou a ser homenageada com uma estátua em Havana. Eles tiveram três filhos: Teresita, Marta e Jose Enrique. Maria tratava o filho de uma forma distinta. Jose era muito paparicado. Por ser muito mimado, a longo prazo, Jose começou a apresentar uma personalidade muito arrogante. Alicia Hercz, uma antiga vizinha da família, afirmou em entrevista para a rede ABC que “como ele era o único menino, e [sua] mãe o adorava, e enfatizava seu machismo e sua imagem masculina, tanto que ele se tornou um pouco agressivo". Jose virou um pequeno monstro. Seus pais tinham dificuldade para controlá-lo. Durante o 1º julgamento de Lyle e Erik, Maria Cano, irmã de Jose, revelou um segredo de família extremamente perturbador. Segundo ela, sua mãe molestava Jose. Maria costumava “brincar” com o órgão sexual do garoto. Cano, que era alguns anos mais velha do que Jose, sempre assistia essas cenas com perplexidade.
Quando Jose deixou Cuba, foi morar na Pensilvânia com parentes distantes. Estava completamente isolado e só conseguia falar espanhol. Segundo o livro The Menendez Murders, Jose logo virou o jogo e tornou-se uma sensação em sua escola por causa de seu talento na natação. Apesar de ter um temperamento difícil, ele era o tipo de pessoa que sempre dava tudo de si. Jose era a personificação do ditado "O que Lola quer, Lola consegue". Ele era um furacão. Graças ao seu talento esportivo, conseguiu uma bolsa na Southern Illinois University, onde estudou filosofia por alguns anos. Foi lá que conheceu a estudante de comunicação Mary Louise Andersen, mais conhecida pelo apelido "Kitty". Ela era três anos mais velha que Jose. Segundo o jornalista Robert Rand, foi um encontro de almas, pois ambos eram arrogantes e confiantes. Kitty desafiava Jose de alguma maneira. O começo do relacionamento não foi fácil. Por causa de sua origem latina, Jose inicialmente não foi bem aceito pela família de Kitty, que não queria que eles se casassem.
Mary Louise nasceu no interior de Illinois. Era filha de um casal muito simples. Seu pai, Andy, consertava ar-condicionados e outros tipos de refrigeradores. Sua mãe, Mae, sonhava em se tornar pianista, mas o marido, que era muito agressivo, queria que ela fosse apenas uma dona de casa. O casal teve quatro filhos: Brian, Milton, Joan e Mary Louise. Aos olhos dos outros, eles pareciam uma família feliz, mas Mae era constantemente agredida fisicamente pelo marido, assim como as crianças. O casal se separou ainda na infância de Kitty. A caçula ficou traumatizada e apresentava sinais claros de depressão nesse período. Mary Louise não tinha muitos amigos e não conseguia estabelecer conexões profundas. Esse divórcio traumático transformou sua mãe em uma pessoa rancorosa, e Kitty, de alguma maneira, incutiu em sua mente que passar por um divórcio era algo muito ruim. Assim como Jose, Kitty recebeu uma bolsa na Southern Illinois University e estudava Comunicação. Ela trabalhava na rádio da universidade, onde produzia dramas para rádio e televisão. Seu sonho era trabalhar nessa área. Ela queria ser atriz. Nessa época, a garota tímida começou a desabrochar para o mundo e chegou a participar de concursos de beleza. Quando se casou com Jose, o casal foi morar em Nova York, pois ele decidiu trocar de universidade para se tornar um empresário de sucesso. Ele começou a estudar Contabilidade. Kitty passou a dar aulas para ajudar nas finanças. Eles dividiam um pequeno apartamento com os sogros, que tinham acabado de chegar de Cuba. Por causa da carreira de Jose, e de seu machismo, Mary Louise nunca conseguiu exercer sua profissão, pois Jose dizia que o trabalho dela era destinado somente para homens. Ainda assim, ela nutria uma espécie de adoração pelo marido e o admirava muito, mas sua frustração era latente. Depois do nascimento dos filhos, Kitty ficava sozinha constantemente com os dois meninos pequenos, enquanto Jose permanecia em Nova York. Isso parece ter deteriorado sua saúde mental. Logo, ela passou a combinar remédios controlados com álcool, e esse problema com a bebida a acompanhou até o dia de sua morte.
Enquanto o casal ainda estava em Nova York, por ser imigrante, Jose só conseguia subempregos. Nos intervalos do trabalho, ele costumava ler um livro que se tornou seu mantra ao longo da vida, The Greatest Salesman in the World, escrito por O.G. Mandino. A publicação é repleta de frases inspiracionais: "Eu persistirei até ter sucesso. Não fui trazido a este mundo para ser derrotado, nem o fracasso corre em minhas veias. Não sou uma ovelha esperando ser guiada pelo pastor. Sou um leão e me recuso a falar, andar ou dormir com as ovelhas. O matadouro do fracasso não é o meu destino. Eu persistirei até ter sucesso."
Depois de se formar entre os dez melhores da turma, Jose entrou no mercado de trabalho. Ele era extremamente ambicioso e fazia qualquer coisa para ter sucesso. Seu primeiro emprego foi em uma firma de contabilidade em Nova York. Logo se transferiu para o interior de Illinois, para trabalhar na empresa Lyons Container Services, onde salvou a companhia da falência. Quando foi demitido, Jose procurou trabalho por algum tempo até ser finalmente admitido na empresa de aluguel de carros Hertz. Ele cresceu rapidamente dentro da companhia de transportes. Nessa época, os funcionários demonstravam não gostar de sua personalidade. Segundo Maria Cano, seu irmão era alguém que não suportava perder uma discussão e fazia isso com arrogância e ironia. Carlos Baralt afirma que seu cunhado era "brutal" e "alarmantemente desprovido de compaixão e respeito por seus colegas e subordinados". Jose ridicularizava sua equipe de maneira fria e sarcástica. Se alguém dissesse algo que o empresário não gostasse, ele "começava a fazer perguntas confrontadoras em um tom de voz controlado". Se a pessoa respondesse de forma defensiva, Jose assumia um tom de zombaria. Uma de suas frases favoritas era: "Bem, então você realmente não fez seu trabalho, então por que estamos lhe pagando?"
José tinha essa habilidade notável de fazer as pessoas se sentirem muito pequenas", disse Baralt. "Ele se considerava superior aos outros." — Trecho de The Menendez Murders.
Apesar de ser considerado um empresário tirano, Jose havia alcançado sua própria versão do "American Dream". Quando a família se estabeleceu financeiramente, Jose decidiu que era a hora de ter filhos. Em 10 de janeiro de 1967, nascia Joseph Lyle Menendez. Erik Galen Menendez nasceria quatro anos depois, quando a família já estava estabelecida em Princeton, New Jersey. Kitty sempre demonstrou que não queria ser mãe e que seus filhos haviam estragado seu casamento. Quando Lyle era um bebê, Kitty costumava deixá-lo na casa da sogra, Maria, que cuidava dele durante todo o final de semana. Na segunda-feira, Kitty retornava para buscá-lo. Na época, ela chegou a cogitar entregar a guarda da criança para a sogra, o que deixou Jose furioso. Nesse dia ele a ameaçou: "Se não quer cuidá-lo, você pode ir embora". Em seu depoimento no primeiro julgamento, Lyle disse que era incrível ir para a casa da avó, pois lá eram bem tratados.
— "Era um mundo totalmente diferente."
Kitty queria ir morar em Nova York para trabalhar como secretária ou perseguir seu sonho na atuação, e também ficar próxima de Jose, que passava muito tempo na cidade. Mas seu marido nunca foi favorável a isso. Então, ela passou a descontar todo o seu ódio no menino. Até o fim da vida, Mary sempre demonstrou que não gostava do primogênito, e que seus filhos arruinaram seu casamento e sua vida profissional. Ela também reclamava que Jose havia passado a dar toda a sua atenção aos filhos. Ela nutria uma obsessão pelo marido que passou a ignorá-la depois do nascimento de Erik e Lyle. Ele chegou a dizer que não a amava e que só mantinha o casamento, pois precisava de uma esposa para tocar o lar. Apesar desse abismo entre os dois, Kitty e Jose sempre posavam sorridentes para as fotos.
Em casa, quando Lyle tinha fome, ele precisava se virar, mesmo que tivesse na época apenas dois anos de idade. Ele precisava se equilibrar em um banco para comer cereal sozinho. Mary Louise também não costumava trocar as fraldas do filho com regularidade. Nessa época, Kitty também pedia que os parentes não abraçassem Lyle. Ela também não fazia isso. O mesmo pedido era feito em relação a Erik. Mesmo se o menino estivesse chorando, e ainda fosse um bebê de colo, Mary Louise impedia que o garotinho recebesse qualquer tipo de carinho. Jose não era muito diferente. Certa vez, Menendez colocou Lyle em uma bancada e pediu que ele pulasse, pois o seguraria. Jose, no entanto, deixou o menino cair no chão. Enquanto ele chorava, Menendez disse: "você não pode confiar em ninguém". Acho importante frisar aqui que a falta de afeto na primeira infância pode acarretar em problemas psicológicos sérios, como déficit cognitivo, estresse, baixa autoestima, explosões de raiva, entre outros sintomas.
Além de sofrer com o abuso emocional de sua mãe, Lyle passou a viver outro tipo de pesadelo. Dos seis aos oito anos, Jose abusou sexualmente do garotinho usando objetos, como pincéis de barba e escovas de dente. Diane, uma das primas dos irmãos, disse que em um certo verão, o pequeno Lyle — que tinha aproximadamente oito anos, pediu para dormir com ela em seu quarto, pois seu pai estaria encostando em suas partes íntimas. A jovem falou com Kitty e ela teria ficado muito irritada. Mary arrastou o menino de volta para o quarto. Brian, outro primo dos jovens, confidenciou que, em muitos momentos, os jovens eram levados por Jose para um quarto e ninguém poderia ficar naquele mesmo andar. Kitty o impedia e aumentava o som da televisão. Segundo ela, os meninos precisavam ser castigados. O que se sabe é que, depois desse "pedido" de ajuda de Lyle, os abusos dessa natureza acabaram.
Ainda na infância, o garotinho, então com sete anos, trouxe da escola um coelho e queria mantê-lo com um animal de estimação. Jose não queria.
No final do ano letivo, Lyle, então com sete anos, trouxe para casa um coelho da escola. Dois dias depois, Kitty lhe disse: "Seu pai quer que você se livre dele ou o dê para alguém." Lyle esperava que seu pai mudasse de ideia e manteve o coelho em um aquário vazio. Ele ficou chateado quando o coelho desapareceu alguns dias depois. "Você deveria se livrar dele", disse Kitty. "Vá falar com seu pai." José lhe disse para procurar no lixo. Horrorizado, Lyle encontrou o coelho espancado até a morte e coberto de moscas. — The Menedez Murders
Essa não foi a única violência praticada por Jose contra um animal da família. Quando um de seus cachorros teria supostamente matado um furão, que era um dos pets favoritos de Kitty, Jose resolveu se livrar dele. Ele decapitou o cachorro e colou a cabeça do mesmo no refrigerador. Um dos meninos encontrou o membro do animal ao abrir a geladeira.
Quando Lyle completou 4 anos, Jose decidiu que ele deveria começar desde cedo em algum esporte. E essa seria a sua obsessão até o dia de sua morte. Ele queria transformar seus filhos em atletas de elite. Menendez chegou a contratar um técnico para o menino. Quando as aulas não ocorriam, Jose levava o filho para nadar. Só que ele tinha métodos pouco ortodoxos. Ele costumava segurar a cabeça do garoto embaixo d'água, enquanto ele se debatia freneticamente. Segundo o genitor, ele teria que conseguir se desvincilhar sozinho. Esse exercício torturante ajudaria Lyle a expandir seus pulmões. O menino morria de medo de mergulhar e tinha dificuldades no esporte. Em muitas ocasiões, ele implorou que Kitty não o levasse ao treino, mas ela o arrastava para lá. Quando o menino reclamava que a água da piscina estava muito fria, Kitty o empurrava de volta, o que deixava o treinador das crianças furioso. Jose tinha essa ânsia de transformar os dois filhos em nadadores de sucesso como a sua mãe, e eles não tinham escolha. Inclusive, Jose era sempre visto nas competições. Enquanto os outros pais consolavam as crianças quando eles eram derrotados, Jose arrancava Lyle e Erik da piscina, sacudindo-os na frente de todo mundo. Esse era um modus operandi comum de Jose. Ele costumava sacudir os filhos no ar. Enquanto eram feridos, eles não podiam chorar. Lyle disse em seu depoimento no primeiro julgamento que, em dado momento, ele passou a jogar futebol, pois tinha muito medo de nadar. Ele tinha apenas doze anos de idade. Jose não permitia que ele confraternizasse com os colegas de time, pois não suportava a ideia que as crianças sorrissem depois de perder uma partida. Menendez não queria que o filho fosse contaminado por isso. Para ele, a excelência esportiva estava em apenas vencer.
Em resumo, Lyle foi obrigado a seguir um cronograma rígido desde os quatro anos de idade. Erik também seguiu os passos do irmão. Eles nunca tiveram nenhum tipo de autonomia desde a infância. Não podiam ter nenhum tipo de passatempo e Jose beirava o sadismo. Um exemplo. Uma foto que circula pela internet mostra Erik, que ainda era um bebê, tendo que se segurar em uma barra de ginástica enquanto chora muito. Seu pai aparece no lado, sorrindo, sem amparar o menino. Jose era claramente violento e sufocante. Ele não tinha um interesse saudável pelos filhos. Desde cedo, por causa do seu humor volátil, Lyle e Erik eram marionetes e aprenderam que fazer tudo aquilo que Jose ordenava o deixaria feliz, assim não apanhariam. Ao longo da vida, a dupla não costumava desobedecer Jose nem mesmo verbalmente, pois isso resultaria em surras intermináveis.
Na adolescência, Jose acompanhava Lyle em um torneio de tênis. Nessa ocasião, ele se movimentava em quadra com dificuldade, pois tinha torcido o tornozelo. Jose estava impaciente e gritava uma série de ofensas para o jovem. Lyle perdeu a cabeça e pediu que ele o deixasse em paz. No final da partida, Jose o arrastou até o carro da família e o espancou, resultando em um corte profundo no queixo de Lyle. Enquanto o menino sangrava, ele deu um ultimato usual ao primogênito:
— Se você fizer isso de novo, eu juro que mato você.
Jose e Kitty costumavam dar dor de cabeça para os organizadores dos torneios, pois eram muito descontrolados. Kitty também costumava fumar como uma chaminé.
Algo claramente estava errado com os genitores da família Menendez desde o começo. Jose e Kitty, por exemplo, não acreditavam que as crianças deveriam ter amigos, pois isso era um tipo de distração. Por causa de toda essa pressão, os meninos logo começaram a desenvolver sintomas de doenças psicológicas. Eles tinham problema de gagueira e dores no estômago... Um dos tios dos jovens contou no primeiro julgamento que, quando ele morava próximo dos Menendez em Princeton, viu Jose repreendendo Lyle. Ele sussurrou algo no ouvido do menino e o garotinho fez xixi nas calças no mesmo momento. O cunhado pediu que Jose não tratasse a criança dessa maneira. Jose ficou furioso e socou Lyle no estômago com muita violência. Na infância, inclusive, quando fazia xixi na cama, Kitty não trocava os lençóis da cama do garoto e o obrigava a dormir no chão. Lyle continuou tendo sintomas de enurese noturna até a adolescência. Tudo porque Jose era um homem impossível de agradar e estava torturando seus filhos continuamente. Kitty também não era fácil. Seu humor mudava rapidamente e ela passava muitos dias sozinha com as crianças enquanto Jose trabalhava em Nova York. Ela costumava negligenciá-los. Ela misturava comprimidos de Valium com álcool e abandonava as crianças à própria sorte. Quando ficava furiosa, costumava quebrar objetos na pia da cozinha. Ela só conseguia demonstrar um pouco de afeto pelo caçula, Erik, pois percebia que ele era, de alguma forma, ignorado por Jose. Em um desses ataques de raiva, Kitty arrastou Lyle pelos cabelos e afirmou que ele havia arruinado sua carreira. Lyle relembrou das palavras da mãe nesse dia durante o seu julgamento:
— Eu poderia ter sido uma atriz, mas você estragou tudo. Eu nunca quis que você nascesse. Seu pai me forçou a ter você.
Depois que começou a ser abusado sexualmente pelo pai, Lyle começou a descontar sua raiva em Erik. Ele levava o irmão até uma mata que ficava atrás da casa da família e reproduzia os abusos sexuais perpetuados por seu pai. Lyle também costumava fazer vários tipos de bullying contra o seu irmão mais novo. Quero deixar registrado que isso era algo que também era praticado por Kitty e Jose. O casal costumava chamar Erik de “maricas” e de “viado”, tudo porque o menino era muito emotivo. Para melhorar isso, Jose criou um ritual de tortura. Ele pressionava as juntas do garoto até provocar uma dor muito grande. Quando não estava em ação, ele ordenava que Lyle fizesse isso contra o filho mais novo. O objetivo de Jose era ensiná-lo a não chorar.
Kitty também tinha métodos pouco comuns para educar seus filhos. Marta Cano, irmã de Jose, conta que, em um dado momento, foi com a cunhada ao shopping. Elas levaram os dois garotinhos. Os meninos desapareceram e Cano ficou preocupada. Logo os autofalantes do estabelecimento começaram a anunciar que procuravam por Mary Louise. Kitty apenas disse que agora elas já sabiam onde eles estavam e poderia fazer compras sossegadas. Nesse dia, ela só recuperaria as crianças depois de 45 minutos. Em testemunho no primeiro julgamento, Faith Goldsmith, amiga de Kitty, disse que Erik se machucou seriamente em uma visita ao shopping e Mary Louise só o levou ao hospital após comprar sapatos. Esse não foi o único episódio. Lyle se machucou com gravidade certa vez e Kitty demorou horas para levá-lo ao pronto-socorro. Kitty costumava "esquecer" de seus filhos em locais públicos, como centros comerciais e aeroportos. Inclusive dentro do carro da família. Os meninos passavam horas sozinhos em estacionamentos. Ela era tão despreocupada que deixava as crianças circulando, inclusive em locais que possuíam muito tráfego de automóveis. Certa vez, Erik, que tinha dois anos, quase atravessou uma rodovia movimentada, mas foi salvo por um transeunte. Quando Kitty recebeu o garoto, fez pouco caso da situação.
Mães mais cuidadosas ficavam horrorizadas com a forma como Kitty deixava seus filhos testarem os limites da segurança, correndo descontroladamente pela rua e pelas lojas durante as compras. A política de Kitty era que o dano causado à personalidade por ser medroso era pior do que qualquer dano que pudesse ser causado ao corpo por uma lesão. Essa indulgência poderia ser irritante para outros clientes em restaurantes, que tinham suas refeições interrompidas por crianças gritando e correndo de mesa em mesa. "Eles estão apenas sendo meninos", ela diria. Implícito nisso estava que eles estavam sendo meninos Menendez, o que significava melhores, mais rápidos, mais ousados e mais poderosos. Meninos com aquele sangue precisavam se expressar, mesmo que isso significasse atropelar pessoas mais comuns. — Trecho de Blood Brothers
Quando as crianças estavam incomodando muito, a matriarca costumava também colocá-los no carro e dirigia de forma furiosa pelas estradas da região de Princeton. Ela colecionava multas e tinha se envolvido em alguns pequenos acidentes. O último deles foi no dia da formatura de Erik no Ensino Médio. Ela bateu levemente em um carro e escapou da cena do crime. Ela implorou que o adolescente, e os demais parentes que estavam no carro, não contassem isso para Jose. Nesse momento, o uso indiscriminado de álcool e pílulas estava afetando muito Kitty. Na semana em que viria a falecer, uma amiga da família a visitou e notou que ela estava muito estranha. Parecia dopada e tinha dificuldades para parar em pé sozinha.
Quando eram pequenos, os meninos não eram
incentivados a receber amigos em casa. Haveria muito tempo para isso
mais tarde. Um bando de crianças indisciplinadas, babando, com
rostos sujos correndo pela casa só interferiria no que Jose estava
tentando fazer. Outros meninos viviam vidas caóticas e
indisciplinadas. Jose não queria que seus filhos fossem
contaminados por isso em uma idade impressionável. Ele queria que
suas lições sobre a vida, força e combate pessoal penetrassem
profundamente nas almas deles, da mesma forma que a água se infiltra
em bacias subterrâneas, tornando-se purificada à medida que desce.
Cada hora do dia tinha que ser contabilizada e usada da melhor
maneira possível. Alguns parentes ficavam preocupados com isso.
Quando haveria tempo para ser criança? eles perguntavam. Mas Jose tinha uma visão, e ninguém seria permitido interferir nela. O que
ele estava dando aos seus filhos era melhor do que uma infância. Era
uma vida que valia a pena ser vivida. Ele esperava que os outros não
entendessem ou apreciassem o que ele estava fazendo, porque eram
pessoas comuns. Mas seus filhos entenderiam. E eles pareciam entender. Lyle uma vez escreveu
para Erik: "Ele gerou dois filhos brilhantes, apenas dois, [e]
eles carregam seu nome e seu orgulho." O problema com os planos
de Kitty e José para seus filhos era que eles não levavam em
consideração as necessidades e desejos dos objetos desses planos,
seus filhos. Eles poderiam ser tudo o que eram destinados a ser? Jose não ponderava sobre essas questões
impenetráveis. Ele tinha crescido muito mimado e egocêntrico para
pensar profundamente nos outros. Ele nunca considerou que as crianças
poderiam não estar à altura da tarefa. Pensamentos negativos, ele
sabia, e Kitty também acreditava nisso, eram autoderrotistas. Se
você derrotasse os pensamentos, poderia vencer qualquer batalha.
Eles não se perguntavam se isso era realmente verdade ou apenas
verdade para eles. Um dia, uma amiga, Faith Goldsmith, perguntou a
Jose: e se os meninos não pudessem ser tão bem-sucedidos quanto
ele pretendia? "O que você faria se eles não fossem? O que
você faria se um deles tivesse um problema de aprendizado?" ela
perguntou. "Isso nunca aconteceria", ele disse. "Meu
filho não poderia ter um problema de aprendizado." Goldsmith
insistiu. "Só falando hipoteticamente," ela acrescentou,
"o que você faria? Você seria capaz de aceitar isso?"
José foi firme. "Eu nunca teria um filho assim. Isso não é
uma possibilidade. "Outro problema com o grande plano de Jose era que
ele não reconhecia a falibilidade de seus projetistas. Jose e Kitty
nunca consideraram a possibilidade de que eles próprios pudessem ser
as falhas fatais em seu próprio esquema. A tendência cruel de Jose era sua maior falha.
Era parcialmente o resultado de sua insegurança por ser cubano em um
mundo empresarial dominado por anglo-saxões, o que o levava a se
deleitar em humilhar anglo-saxões incompetentes, enquanto ao mesmo
tempo implorava por sua aceitação através de seus esforços para
se americanizar. Embora ele desprezasse as pretensões ostensivas de
alguns ricos, um parente disse que ele mantinha um livro em sua
prateleira sobre como os ricos se comportam. Ele mostrava seu lado cruel quase ansiosamente a
Lyle, deixando seu filho ver como ele não apenas superava seus
oponentes, mas esfregava seus narizes em sua própria humilhação. Havia uma espécie de corrupção nisso. Ele
pregava para seus filhos sobre honra, empreendimento e fazer a coisa
certa pela família e pelo país, enquanto se comportava privadamente
como se fosse aceitável tratar mal as pessoas se elas merecessem. Não que Jose e Kitty não tivessem qualidades
como pais. Inúmeras vezes, ao longo dos anos, eles se sacrificaram e
sacrificaram seu tempo pelos filhos, a quem amavam verdadeira e
profundamente. Mas a perfeição é uma coisa perigosa de se buscar.
Se você a exige nos outros, o destino tende a ser implacável com
você também. Os modelos que Jose usava para treinar Erik e Lyle
eram de antigas sociedades guerreiras, como Roma, que começava a
treinar as crianças nas artes militares desde jovens. Jose substituiu armas por esportes. Em Roma, assim como na casa de José,
todo filho homem, púbere ou não, estava firmemente sob o controle
de seu pai. Mais do que isso, o pai do menino era seu juiz e poderia
condená-lo à morte em particular. Além disso, os filhos precisavam
do consentimento do pai para começar uma carreira. Não surpreendentemente, como resultado, o crime
de parricídio — o assassinato dos próprios pais — não era
incomum na Roma antiga. Um jovem que sabia que só poderia ser
realmente livre com a morte de seu pai muitas vezes se via apressando
esse evento. —Trecho de Blood Brothers.
Quando Lyle e Erik tornaram-se adolescentes, Jose resolvera que eles teriam que se dedicar a um esporte, mas ele deveria ser individual. Eles escolheram tênis. Até o verão de 1989, os irmãos eram submetidos a treinos diários. Eles precisavam seguir um cronograma muito restrito. O treino começava às cinco horas da manhã e eles tinham que treinar até pouco antes do começo das aulas. Eles tomavam banho e iam para o colégio. Depois da escola, eles precisavam voltar para a quadra. Jose ligava até cinco vezes no dia para garantir que eles estavam jogando mesmo. E tinham que fazer isso independente do clima ou se estivessem doentes. Terminado o treino, era a hora da janta. Os irmãos tinham uma dieta bem definida e só podiam comer carne branca. Esse jantar era uma loteria. Se o dia fosse bom, Lyle só precisaria conversar com seu pai sobre assuntos variados — Jose fazia uma espécie de debate na mesa sobre temas gerais com o garoto. Jose não conversava com Kitty e Erik. Mary Louise não se sentava na mesa durante a refeição. Quando raramente o fazia, ninguém conversava com ela. Jose definia o que deveria ser discutido no jantar, e quem deveria falar. Se o dia fosse ruim, os irmãos teriam que enfrentar a fúria do genitor. Quando estava irritado, Jose chegava em casa e imediatamente retirava o cinto de sua cintura, e deixava o mesmo em um lugar visível, principalmente depois de ouvir alguma reclamação feita por Kitty em relação aos garotos. Depois do jantar, os irmãos precisavam fazer a lição de casa. Os dois adolescentes dormiam muito pouco. Lyle disse outra coisa muito interessante sobre isso durante o primeiro julgamento. Jose o sobrecarregava muito, pois ele era a coisa mais importante da vida de seu pai. Lyle foi então questionado por sua advogada, Jill Lansing, se Erik era importante da mesma forma para Jose e ele disse que não. Erik não era importante, pois era o primeiro filho que carregava a linhagem da família.
— Eu tive a sua completa atenção. Eu nem pensava no meu irmão, na verdade ele nem existia para mim até mais tarde na vida. Acho que nenhum de nós pensava muito no Erik [...] Ele não foi completamente ignorado. O papai interagia com ele e às vezes era duro com ele, brincava com ele às vezes, de maneiras que não fazia comigo, mas simplesmente não parecia muito preocupado com o que estava acontecendo com Erik. Se ele estivesse de mau humor, talvez ele desse um tapa no Erik ou empurrasse o Erik para longe; se estivesse de bom humor, talvez passasse um tempo com o Erik, mas era diferente, como se eu tivesse que estar fazendo algo, alcançando algo ou algo importante, e era bem diferente. — Depoimento de Lyle no primeiro julgamento.
Jose era megalomaníaco e costumava afirmar que a família era muito bem-sucedida. Ele aumentava as conquistas para pressionar os filhos. Ele sempre afirmava que tinha sido um nadador incrível, sendo que os parentes afirmam que ele era apenas mediano. Ele não era ruim, mas estava longe de ser um atleta de elite. Erik, durante um depoimento para a polícia, falou que Kitty tinha ganhado vários concursos de beleza. Isso também não era verdade. Ela só tinha ganhado um concurso no interior do Illinois e nem era algo importante. Mas Jose criou uma narrativa maior do que a realidade para induzir essa busca bizarra por excelência, onde Lyle e Erik — principalmente o primogênito, deveriam superá-lo.
Para Jose, tempo era, literalmente, dinheiro. Com o passar do tempo, Lyle começou a se preparar para o jantar como se fosse um exame oral na escola, fazendo anotações com antecedência e ensaiando suas falas. Se Lyle ia mal durante o quiz da hora do jantar, Jose colocava o garoto que havia falhado sentado em uma cadeira, de frente para ele. Então, ele aproximava seu rosto do menino, a poucos centímetros de distância, e o obrigava a falar sobre seus erros. Às vezes, Jose encostava em suas testas, buscando um vínculo ainda mais estreito, uma espécie de conexão disciplinar mental. Lyle não podia se mover ou desviar o olhar, enquanto José o fixava com um olhar que parecia examinar o garoto a nível celular, como se estivesse procurando falhas de caráter, da mesma forma que um computador vasculha sua memória, byte por byte. Essas sessões intensas podiam durar de cinco minutos a meia hora. Mais tarde, durariam ainda mais. O próximo nível de disciplina, se respondessem ou cometessem alguma outra transgressão, era enviá-los para o quarto — eles compartilhavam um quarto em Monsey — e a porta ficava trancada. Se se moviam devagar ou resistiam de alguma forma, Jose os agarrava pelos bíceps e apertava. Às vezes, ele entrava no quarto com eles, trancava a porta e dava uma palestra longa. Quando Jose estava lá dentro, ninguém podia se aproximar do quarto. Eles ficavam lá o tempo que fosse necessário para que Jose se fizesse entender e, mais importante, para que seus filhos aceitassem seu argumento. Não apenas com palavras, isso não era o suficiente. Jose precisava estar convencido de que eles aquiesciam no nível espiritual mais profundo. Jose usava um cinto para as ofensas mais graves, pois os meninos eram, na linguagem da época, "moleques travessos". Eles sempre pareciam estar aprontando alguma coisa. Nunca conseguiam ficar parados e tinham o hábito de quebrar coisas pela casa. Essa desatenção errante enfurecia Jose, que acreditava profundamente que uma pessoa devia estar no controle de si mesma, mesmo uma pessoa muito pequena. Quando Jose usava o cinto, Kitty aumentava o volume da TV. Às vezes, Jose chegava em casa, sentava em sua cadeira favorita com seu jornal e ouvia enquanto Kitty lhe contava os acontecimentos do dia. Então, ele tirava o cinto com um estalo e o colocava no sofá à vista. Se Kitty estava preocupada com o humor de Jose quando ele chegava do trabalho, ela tentava uma técnica que era frequentemente usada por famílias em programas de TV da época. Ela reunia seus filhos e quem mais estivesse visitando no corredor, de braços dados, onde eles saudavam Jose com sorrisos calorosos e apreciativos. — Trecho de Blood Brothers
Kitty não ficava muito atrás na grosseria. Um pouco antes de sua morte, Mary enfrentou Lyle e arrancou o topete sintético que o jovem usava. A peruca só poderia ser retirada com um produto especial. A dor foi dilacerante. Nem Erik sabia que o irmão usava a prótese capilar. Lyle fora obrigado a usar isso pelo pai, pois seu cabelo começou a ficar fino quando ele tinha 14 anos, provavelmente por causa de todo o estresse que era submetido. Jose acreditava que a aparência era muito importante, por isso ele deveria usar esse topete.
Uma família estranha
Os primos dos irmãos costumavam fazer fila para passar as férias na casa do "casal de propaganda de margarina", pois eles eram considerados ricos, e viviam em mansões. Mas a maioria sempre ia embora antes do tempo por causa das brigas constantes que testemunhavam. Uma outra coisa também chamava a atenção. Quando Jose praticava tênis com os irmãos, ele sempre tomava banho junto com os garotos em uma banheira da casa, inclusive quando os dois meninos já eram adolescentes. Todos os parentes achavam isso muito estranho. Inclusive, Erik disse que nessa época Kitty costumava fazer vistorias em suas partes íntimas. Eles eram tão infantilizados que Mary Louise ainda lavava o cabelo de Lyle quando ele era adolescente. Na época do julgamento, um dos terapeutas que visitou os irmãos na cadeia, disse que eles tinham uma idade emocional de uma criança.
Quando Brian Andersen Jr., filho do irmão de Kitty, foi ficar com eles no início dos anos setenta, ele rapidamente percebeu que as coisas não eram tão perfeitas quanto pareciam. Ele se lembrava de estar deitado na cama e ouvir Kitty e José discutindo alto. Às vezes ela chorava, e Brian via hematomas nela na manhã seguinte. Um deles estava em seu bíceps, uma marca reveladora, porque José tinha o hábito de agarrar seus filhos pelos músculos do braço e apertá-los, forte, quando queria chamar completamente a atenção deles. Brian viu que a família tinha um conjunto de regras rígidas, no estilo de escola militar, para governar a casa, com restrições sobre amigos, atividades de lazer e até a comida que comiam. Jose e Kitty sabiam que os meninos seriam atletas de destaque, embora ainda não soubessem o esporte, então decidiram que os irmãos deveriam comer apenas refeições ricas em proteínas. — Trecho de Blood Brothers
Dentro da residência dos Menendez, Lyle e Erik não encontravam nenhum tipo de afeto. Apenas exigências. E isso começou a impactar negativamente na vida dos jovens, que começaram a ter ataques de raiva por motivos aleatórios. Eles também costumavam fazer brincadeiras exageradas e atacavam as pessoas do nada. Em um dos ataques, eles teriam deixado uma prima quase desnuda. Em outro momento, Lyle estava vendo televisão com uma prima e a agarrou, colocando as mãos em seus seios. Quando erravam na quadra durante os treinos, eles ficavam irritadiços. A situação piorava quando Jose aparecia nos treinos. Eles ficavam muito nervosos.
Lyle
Lyle sem dúvidas é o filho mais parecido com Jose. Ou melhor, foi moldado para ser dessa maneira. Assim como seu pai, ele começou a apresentar uma certa rebeldia ainda na infância. Por causa da infantilização que sofreu desde pequeno, o garoto costumava brincar com ursos de pelúcia, hábito mantido até os 14 anos de idade. Na escola, ele demonstrava ter alguns problemas de aprendizagem e não era um aluno exemplar. Ele chegou a dizer aos amigos que achava a escola uma grande bobagem. Como não tinha notas boas, ele demorou um pouco para entrar em Princeton, universidade de elite que o pai tanto desejava. Só conseguiu entrar, pois Jose fez uma doação para a faculdade. Sozinho em Nova Jersey, Lyle começou a tocar o terror literalmente. Livre dos pais, ele começou a agir descontroladamente. Sua carteira de motorista foi cancelada por causa de inúmeras multas, e ele alugou uma limousine para levá-lo para todos os lugares. Os Menendez eram sócios de um country club da região há muitos anos. Certa noite, Lyle destruiu um carro de golfe da instituição e o clube cancelou a associação da família. Eles só não prestaram queixa contra ele, pois Jose arcou com todos os gastos. Nesse período, Lyle conheceu a garçonete e jogadora de tênis, Jaime Pisarcik, e decidiu que iria casar-se com ela. Seus pais ficaram furiosos e proibiram o romance. Mesmo assim, Lyle a seguiu para o estado do Alabama quando ela se mudou para dar aulas de tênis. Jose ficou furioso. Quando Pisarcik foi para a Europa, o jovem foi atrás dela, e inclusive bancou a estadia da namorada durante todo um torneio de tênis que ela estava participando. Alguns meses antes do assassinato, os Menendez compraram um apartamento de dois quartos para Lyle e deram uma chave-reserva para Carlos Baralt. Ele vigiaria Lyle, pois o casal não queria que Pisarcik se mudasse para o local. Lyle e Jamie acabaram terminando o namoro e o primogênito dos Menendez passou a namorar uma modelo nove anos mais velha, Chrissy. Kitty e Jose não gostaram da ideia. Eles implicavam com todas as namoradas de Lyle. O genitor costumava desumanizar mulheres e achava que a modelo, assim como Jamie, queria dar o golpe do baú no primogênito. Lyle só poderia namorar caso Jose indicasse a garota “certa”. Chrissy, a modelo em questão, acabou engravidando e recebeu um gordo cheque de 100.000 dólares para fazer um aborto, e sumir da vida de seu filho. Depois da prisão, Jamie voltou a se envolver com Lyle e o casal continuou junto até o dia em que ele pediu que ela mentisse em seu depoimento no julgamento. Menendez e Jamie tinham assistido um filme juntos chamado At Close Range (1986). O longa é baseado em eventos reais, e narra a história de Brad Whitewood Jr. (interpretado por Sean Penn), um jovem que vive em uma área rural da Pensilvânia e tem uma relação distante com seu pai, Brad Whitewood Sr. (interpretado por Walken), que é um criminoso violento e manipulador. Em dado momento, Whitewood Sr tenta abusar sexualmente da namorada do filho. Lyle teria pedido que Jamie mentisse que fora abusada por Jose. Ela não aceitou.
Não era só no lado sentimental que Lyle dava trabalho aos pais. Ele não comparecia às aulas na Universidade de Princeton. Depois de plagiar um artigo, ele recebeu uma suspensão de um ano. Jose até tentou contornar a situação com dinheiro, mas não conseguiu. Em Los Angeles, ficou decidido que Lyle teria que trabalhar. Ele chegou a conseguir um bico como entregador de pizzas, mas logo largou o emprego. Jose então levou o filho para a empresa de audiovisual onde trabalhava, mas Lyle não durou um mês no novo emprego.
Apesar de o emprego de Lyle na LIVE ter sido breve, ele deixou uma impressão profunda e duradoura nele. Lyle percebeu como a atmosfera no escritório ficava tensa quando Jose estava por perto e como Jose repreendia os funcionários na frente dos outros. Lyle disse a seus amigos que era malquisto na LIVE por ser filho do chefe. A verdade era que Lyle era malquisto na LIVE, não por ser filho do chefe, mas por sua falta de empenho. Os colegas de trabalho se lembravam de Lyle como alguém que chegava tarde sem se desculpar, ignorava ordens, não prestava atenção e faltava ao trabalho em dias quentes para jogar tênis. "Desagradável, arrogante e egoísta" foi a maneira como alguns colegas de trabalho descreveram Lyle. Finalmente, um dos associados de Jose foi até ele e reclamou de Lyle. José perguntou ao associado o que ele faria se Lyle não fosse filho do chefe, e o associado disse que o demitiria, então Lyle foi demitido. — Trecho de The Menendez Murders
No verão de 1989, Lyle e Erik seriam presos por furto de residências. Lyle tinha roubado a casa de uma namorada junto com um grupo de amigos. Quando ele mostrou os pertences que havia furtado, Erik disse que eles poderiam fazer a mesma coisa em Calabasas, onde eles moravam naquele período. Eles então começaram a roubar casas de pessoas conhecidas em sua vizinhança. Em um primeiro momento, Erik só queria demonstrar para o irmão que também era corajoso o suficiente para invadir uma casa, mas não queria levar os pertences das pessoas. Entretanto, Lyle queria o dinheiro. Quando foram pegos, Jose conseguiu contornar a situação e Erik acabou assumindo a culpa por ser ainda um adolescente. O genitor dos jovens tinham como mote de vida “Minta, trapaceie e roube, mas não seja pego. E Jose estava justamente furioso por isso. Seus filhos tinham sido pegos. Por sorte, os policiais acreditaram que Lyle não tinha nenhum envolvimento nos roubos. O que Jose não sabia: esse não tinha sido o primeiro envolvimento de Lyle em crimes do tipo.
Esses não foram os únicos roubos que a polícia conseguiu atribuir aos irmãos Menendez. Em abril de 1988, ocorreram dois assaltos no escritório do Sierra Club em Nova Jersey e no escritório do Princeton Friends of Open Spaces. Nesses assaltos, equipamentos de escritório foram roubados, com um valor aproximado de 1.100 dólares. Os escritórios estavam localizados na mesma propriedade que a família Menendez possuía antes de se mudar para a Califórnia, e na casa em que Lyle havia morado antes de entrar em Princeton. Jose e Kitty venderam a casa em novembro de 1987. A polícia tinha poucas pistas sobre quem cometeu os roubos. Em ambos os assaltos, o ladrão havia entrado na casa por um banheiro no segundo andar. A polícia finalmente conseguiu conectar Lyle aos assaltos depois que um informante confidencial se apresentou. O informante disse à polícia que um dia, durante o verão de 1988, ele estava indo para a praia com os irmãos Menendez quando Lyle colocou uma fita cassete para tocar. A fita era uma gravação de vozes conversando. Havia também ruído de fundo. Lyle se gabou para o informante de que eles estavam ouvindo uma gravação de um roubo que ele cometeu em sua antiga casa em Princeton. Lyle nunca foi acusado desses assaltos. Quando a polícia conseguiu conectar Lyle a esses crimes, ele já estava preso por acusações mais graves”. — Trecho de Blood Brothers
Era notório que
Lyle era o filho problemático do casal e que, de alguma maneira, exercia uma grande influência na vida de
Erik. Na infância, o caçula da família
Menenedez ambicionava ser como o irmão, algo que era meio incompreensível pelos amigos do garoto, pois
Lyle era considerado uma pessoa estranha e problemática pelos demais. Foi ele que convenceu
Erik a começar a roubar. E, em uma análise rápida, existe uma incoerência nesses crimes, pois dinheiro nunca foi um problema na vida dos irmãos. Eles tinham cartões de crédito desde os 15 anos de idade. Depois desses delitos em Calabasas, os irmãos foram obrigados a fazer terapia com o
Dr Oziel. Durante as sessões, o psicólogo observou um comportamento violento na dupla e esboçou sua preocupação com
Kitty e
Jose, afirmando que eles poderiam ser sociopatas.
Oziel afirmava que
Lyle tinha o mesmo tipo de transtorno que
Ted Bundy: uma personalidade antissocial. Segundo o manual
MSD, esses são os principais sintomas dessa patologia mental:
Pacientes com transtorno de personalidade antissocial podem expressar seu descaso pelos outros e pela lei destruindo propriedade, assediando outros ou roubando. Eles podem enganar, explorar, fraudar ou manipular as pessoas para conseguir o que querem (p. ex., dinheiro, poder, sexo). Eles podem utilizar um pseudônimo. Esses pacientes são impulsivos; eles não planejam suas ações nem consideram as consequências ou a segurança de si mesmos ou de outros. Como resultado, eles podem de repente trocar de emprego, casa ou relacionamento. Eles podem dirigir em alta velocidade enquanto embriagados, eventualmente causando acidentes. Eles podem consumir quantidades excessivas de álcool ou usar drogas ilícitas. Pacientes com transtorno de personalidade antissocial são social e financeiramente irresponsáveis. Eles podem trocar de emprego sem um plano para conseguir outro. Eles podem não procurar emprego quando as oportunidades estão disponíveis. Eles podem não pagar suas contas, empréstimos, ou pensão alimentícia. Esses pacientes são muitas vezes facilmente irritados e fisicamente agressivos; eles podem começar lutas ou abusar do cônjuge ou parceiro. Nas relações sexuais, eles podem ser irresponsáveis e explorar seu parceiro e não conseguirem permanecer monogâmicos. Não há remorso pelas ações. Pacientes com transtorno de personalidade antissocial podem explicar suas ações culpando aqueles que eles prejudicam (p. ex., eles mereciam) ou a forma como a vida é (p. ex., injusta). Eles estão determinados a não serem intimidados e fazem o que eles acham que é melhor para si mesmos a qualquer custo. Esses pacientes não têm empatia pelos outros e podem ser desdenhosos ou indiferente aos sentimentos, direitos e sofrimento dos outros. Pacientes com transtorno de personalidade antissocial podem ser muito teimosos, autoconfiantes ou arrogantes. Eles podem ser charmosos, volúveis e verbalmente superficiais em seus esforços para conseguirem o que querem.
Lyle foi avaliado por outros médicos após o crime, e nenhum deles corroborou com o diagnóstico do Dr. Oziel. Para eles, essas infrações foram uma tentativa de escapar das demandas de Jose. Lyle era somente um adolescente rebelde. E, mesmo sendo um encrenqueiro nos meses que antecederam os assassinatos, Lyle sempre foi considerado um menino doce pelos familiares. No entanto, logo após o crime, os parentes próximos dos irmãos começaram a observar uma mudança sutil em seu comportamento. Lyle ficou mais agressivo, enquanto Erik demonstrava uma ansiedade elevada. Lyle estava tão fora de controle que achava que tudo poderia ser resolvido com violência. Ele teria ameaçado Erik, Oziel, e um outro jovem que havia sumido com o dinheiro que seu irmão havia investido em um espetáculo.
Lyle voou de volta para Beverly Hills no dia seguinte para cuidar dos negócios em casa. No avião com ele estavam dois de seus outros associados, Glenn Stevens e Hayden Rogers. Lyle estava a caminho para tentar descobrir o que havia acontecido com os 40.000 dólares que Erik havia dado a um promotor de shows para produzir um espetáculo chamado "Soul to Soul". O dinheiro havia desaparecido e o show nunca aconteceu. "Bem, se não conseguirmos o dinheiro", disse Lyle durante o voo, de acordo com Stevens, "não vejo por que não podemos pegar o carro, nós dois, e voltar, um de nós dirigindo. Colocamos ele no banco da frente, e se não conseguirmos o dinheiro, um de nós pega um fio de arame e mata o garoto e depois descartamos o corpo em algum lugar." — Trecho de Blood Brothers
Lyle começara a apresentar gradativamente o mesmo comportamento controlador de seu pai. Enquanto Erik demonstrava um profundo arrependimento, Lyle agia como se nada tivesse ocorrido, e até fazia piadas sobre a morte dos pais. Durante o primeiro julgamento, Lyle pediu que pessoas mentissem ao testemunhar, oferecendo valores em dinheiro. A advogada de Erik, Leslie Abramson, se preocupava com o fato de que Lyle só conseguia pensar em si mesmo.
Jose pode até ter desdenhado do laudo do Dr Oziel, mas o que fora dito para eles afetou Kitty. Ela comprou armas e as mantinha em seu closet. Sempre trancava a porta de seu quarto quando ia dormir. Os irmãos, inclusive, não podiam ter as chaves da casa. Em uma de suas últimas sessões de terapia, ela disse que escondia segredos muito sérios sobre a família, e afirmava que seus filhos eram sociopatas. Enquanto Jose fazia vista grossa para os problemas dos filhos, algo inquietava Kitty em relação a Lyle e Erik. Segundo seu irmão Brian, ela se arrependia de ter dado uma vida tão generosa aos filhos, principalmente para Lyle. Segundo Brian, irmão de Kitty, nas últimas semanas de vida, Mary estava tentando educar o filho mais velho. Ela havia cortado seus cartões de crédito e Jose ameaçou não custear mais a peruca que o jovem usava. Nessa época, Lyle passou a roubar os cartões de crédito da mãe e comprava tudo o que queria mesmo assim. E para piorar a situação, testemunhas oculares também dizem que algo estava ocorrendo com a saúde da genitora, pois Kitty parecia estar sempre muito drogada. Seu vício em remédios e álcool teria chegado em um ponto alarmante. Segundo Erik, Kitty, que tinha um humor muito volátil, estava cada vez pior, pois não estava tomando os remédios prescritos. Alguns meses antes de ser assassinada, Mary foi internada em um hospital, pois apresentou um comportamento suicida, e estava misturando álcool e Xanax. O médico que a atendeu disse que ela apresentava depressão, ataques de pânico, e que aparentemente sofria de algum transtorno de personalidade, uma condição que afeta a maneira como uma pessoa pensa, percebe o mundo, se relaciona, e se comporta. Existem diferentes tipos de transtornos de personalidade, como o Transtorno Borderline. O médico que atendeu Kitty queria interná-la para que ela passasse por um tratamento adequado, mas Jose foi totalmente contra. E o médico queria isso, pois achava que afastá-la de Jose ajudaria em sua recuperação. Ele a tratava muito mal, mas queria manter a aparência de família feliz. O que as pessoas pensariam se descobrissem o tratamento de Kitty?
A saúde de Kitty ficou muito deteriorada depois que ela descobrira que Jose tinha uma amante — na época, ele estava envolvido com duas mulheres. Com uma delas, ele mantinha um romance de oito anos. Mary ficou devastada e talvez esse fosse o motivo para a falência de seu matrimônio. Nos últimos anos, Kitty e Jose não tinham mais nenhum tipo de relacionamento conjugal. apenas moravam juntos. E ela sofria com isso, pois tinha uma dependência emocional muito grande. Jose a desprezava e só mantinha o casamento, pois queria alguém que cuidasse da casa. Por trás das fotos sorridentes dos dois, havia muito sofrimento. Kitty abandonara todos os seus sonhos para ajudar Jose e foi deixada de lado gradativamente. E, mesmo assim, mantinha uma obsessão pelo marido. Ela estava tão absorta pelo seu caos mental que passou até a ameaçar envenenar a família. Ela jogava todo o seu ódio frequentemente em Lyle, chamando-o de um "grande problema da sua vida". Essa tensão resultou em Jose se recusando a comer em casa, optando por levar os filhos para restaurantes, o que deixava Kitty ainda mais furiosa. Durante esse período, Lyle tentou intermediar os conflitos, sugerindo que sua mãe deixasse Jose e fosse morar com ele em Princeton, especialmente após Erik ter encontrado uma carta de suicídio escrita pela genitora. Mas ela continuava ao lado de Jose, mesmo depois de descobrir que ele era adúltero. Kitty, porém, morreu sem saber sobre um outro segredo de Jose. Ele era um cliente assíduo de casas de prostituição. Cherry Woods, dona de um desses locais, concedeu uma entrevista reveladora ao New York Post de 13 de dezembro de 1993.
Woods, ex-esposa do astro Stevie Woods e ex-madame, diz ter evidências que provam que Jose Menendez era um sádico e que os irmãos tinham motivos para temer por suas vidas quando mataram seu pai e sua mãe a tiros em 1989. Woods, que contava com o estrangulador de Hillside entre seus clientes antigos, disse que o assassino em série, cujo nome verdadeiro é Kenneth Bianchi, era um cavalheiro comparado a Menendez, a quem ela chama de "selvagem". Woods disse que conheceu Jose Menendez no início dos anos 80, quando o imigrante cubano assumiu seu primeiro emprego como executivo de alto escalão na Carolco Pictures. Nos anos seguintes, Woods afirmou, Menendez "ligava para ela toda semana para pedir garotas". Menendez tinha especificações firmes com seus pedidos. "Ele insistia que as garotas não tivessem mais de 13 anos e fossem pequenas", lembrou Woods. "Mas eu nunca empreguei menores, então enviava minhas garotas que pareciam mais novas". E todas as vezes, Woods afirmou, o chefão da Carolco abusava fisicamente de seu par. "Uma vez, ele tentou estrangular uma garota muito doce enquanto fazia sexo com ela", disse Woods. "Ela estava tão assustada que se recusou a voltar para ele — independentemente de quanto ele quisesse pagar a ela". Em outra ocasião, Menendez deu um tapa em sua acompanhante. E, de acordo com Woods, enquanto ele fingia estuprá-la, ele gritou "linguagem desagradável e machista" para ela. O contato final entre Woods e Menendez ocorreu cerca de seis anos antes de ele e sua esposa, Kitty, serem encontrados assassinados em sua mansão de US$ 4 milhões em Beverly Hills. Nesta data em particular, Menendez feriu gravemente uma das garotas de Woods com chicotes e vários brinquedos sexuais. "A garota voltou com arranhões e hematomas por todo o corpo", disse Woods. "Decidi parar de atender suas ligações." Woods, que fará acusações nacionais sobre "Geraldo" em 20 de dezembro, acredita na alegação dos irmãos de que eles mataram seus pais em legítima defesa - em vez de ganância, como alegado pelos promotores. "Acredito que o apetite sexual de Jose por adolescentes e suas tendências violentas podem facilmente transbordar para a vida doméstica", disse Woods. “Vendo o que ele fez e poderia ter feito com as meninas, seus filhos tinham bons motivos para pensar que Jose poderia machucá-los se quisesse.” O caso vai para o júri na próxima semana. Se condenados, os irmãos podem enfrentar a pena de morte. Se absolvidos, eles herdarão o patrimônio de US$ 14 milhões dos pais.
Erik
“As
pessoas me veem como um homem sombrio, um assassino. Tem sido uma
luta para mim perceber que sou um vilão nacional. Eu realmente não
sou. Sou uma boa pessoa”. — Erik Menendez
Enquanto Lyle era o queridinho do pai, e Jose queria que o garoto fosse a sua versão melhorada, Erik era totalmente o oposto. Para Jose, ele não era um Menendez de verdade e tinha que lutar para ser aceito e amado pelos pais. Segundo Erik, na dinâmica familiar, para receber algum tipo de amor você precisava conquistá-lo. Mas depois de tantos depoimentos dados pelos irmãos, eles parecem nunca ter conseguido alcançar esse feito. Nem mesmo Lyle. Durante a entrevista que os irmãos concederam para Barbara Waters, Erik descreveu sua relação com o pai da seguinte forma: — "Era brutal, tortuosa, dolorosa, mas ainda assim eu o admirava. Porque ele era tão forte e era tudo que eu fui ensinado sobre o que era o sucesso. Ele era a pessoa mais brilhante e poderosa que eu já conheci". Erik até tinha um relacionamento mais próximo com sua mãe, mas Kitty fazia questão de criar uma barreira entre eles. O menino era constantemente chamado de apelidos pejorativos.
As
atitudes de Jose sobre a masculinidade, com seu velho mundo,
revelaram-se em seu pior efeito quando ele ensinou Erik, de seis
anos, a andar de bicicleta. Ele se recusou a permitir que Erik usasse
rodinhas, porque acreditava que isso faria seu filho parecer um
"maricas". Então, Jose colocou Erik na bicicleta e deu um
bom empurrão ladeira abaixo, que levava a um cul-de-sac na frente da
casa em Monsey. A bicicleta balançava, Erik estava chorando de medo,
até finalmente tombar, fazendo o garoto cair no asfalto. Uma
vez, Erik cortou o cotovelo de forma grave, o que deixou uma
cicatriz. Brian Andersen tentou intervir, mas Kitty o
deteve. Kitty nem sempre concordava com os métodos de Jose e às
vezes o desafiava, especialmente quando se tratava de Erik, que era a
criança mais fraca e mais dependente dela. Mas não havia como
interferir com Jose nessas ocasiões. Aprender a andar de bicicleta
era muito importante. Finalmente, depois de vários dias de falha,
Jose pegou a bicicleta e a jogou na garagem, proibindo Erik de
brincar com ela novamente. Sempre que se machucavam ou eram punidos,
Jose era firme em relação a não chorarem. "Um homem
corporativo não demonstra emoção," é assim que Andersen
descreveu a atitude. Se Lyle começasse a desmoronar, Jose diria:
"Lyle", e o menino se endireitaria imediatamente. Muitas
vezes ele lançava um olhar para seu pai enquanto falava. Se percebia
desaprovação no rosto de Jose, de repente adotava o ponto de vista
oposto. Com o tempo, Lyle sufocou suas emoções de tal forma que
algumas pessoas passaram a achar que ele não tinha nenhuma. Seus
olhos tornaram-se sem expressão e seu rosto, impassível,
especialmente perto do pai, onde ele se tornou quase um robô
obediente, de acordo com os visitantes. A pressão para atender às
exigências de Jose começou a se manifestar de outras maneiras nos
meninos. Erik e Lyle desenvolveram gagueiras. A de Erik era grave o
suficiente para que ele fosse enviado a um fonoaudiólogo. Os meninos
também desenvolveram dores de estômago e tinham o hábito de ranger
os dentes. Ambos pareciam ter desenvolvido temperamentos ruins. Se
Lyle se opusesse a alguma punição que seu pai impusesse, ele ficava
furioso, então saia para o quintal e batia em uma árvore. Mais
frequentemente, ele abusava de seus bichos de pelúcia, dos quais
tinha uma grande e crescente coleção, favorecendo especialmente os
personagens do Sesame Street, como o Cookie Monster. Às vezes, os
acessos de raiva surgiam sem aviso. Lyle estava brincando com seus
brinquedos de pelúcia e, de repente, explodia em fúria, começando
a despedaçá-los, braço de um lado, perna do outro. Lyle gostava de
animar seus bichos de pelúcia. Cada um tinha um nome, e Lyle
inventava histórias elaboradas para eles atuarem em sua imaginação
[...]Às vezes, ele usava o Cookie Monster para ameaçar Erik, o que
o assustava. Se Erik quisesse se vingar de Lyle, ele jogava o Cookie
pela janela, o que deixava seu irmão tremendamente chateado. Kitty
também tinha um temperamento, mas o exercia de maneira diferente, de
uma forma mais autodestrutiva, condizente com sua personalidade.
Quando ela finalmente se cansava das travessuras de seus filhos, ela
ficava em frente à pia da cozinha, enrugava o rosto e mostrava os
dentes. Suas mãos se fechavam em punhos e suas articulações
ficavam brancas de raiva. — Trecho de Blood Brothers
Kitty também tinha um modo bem particular de torturar Erik e Lyle. Ela deixava os dois trancados (Lyle dentro de seu quarto, enquanto Erik ficava no closet da matriarca), e não os deixavam sair nem para ir ao banheiro. Ela disponibilizava um pote de Tupperware para que os meninos fizessem suas necessidades. O tempo de encarceramento variava entre algumas horas ou o dia inteiro. Erik chegou a dormir dentro do local várias vezes, o que era um pesadelo, considerando que ele era um menino medroso. Na infância, os pais debochavam de Erik por causa dos seus medos noturnos. Ele não gostava de dormir com a porta do roupeiro aberto e isso era usado contra ele por Jose. Ele costumava assustar o menino. Constantemente, Erik era lembrado que era frágil. Seu pai costumava sempre dizer que ele tinha que ser como Lyle. Inclusive isso afetou a autoestima do caçula. Mesmo sendo mais bonito que o irmão mais velho, ele sempre achava que precisava alcançar a beleza de Lyle. Erik tinha uma dependência em relação ao irmão mais velho, mas Lyle não prestava muita atenção no irmão caçula. Ele era um garoto emocionalmente vulnerável, tanto que, ao longo da vida, foi abusado em vários momentos por sua família, e também por terceiros.
Em relatos dados ao Dr William Vicary, Erik confessou que foi abusado sexualmente por uma babá aos 5 anos. Em seu primeiro depoimento ao júri, ele afirmou ter sofrido uma série de abusos por parte de seu pai, os quais duraram até a semana em que Jose e Kitty foram assassinados. Os ataques eram os mais diferentes possíveis. Aos dez anos de idade, ele passou a ser sodomizado pelo pai. E essa jornada tortuosa durou 12 anos. Quando Erik estava sozinho em seu quarto com seu pai, ninguém poderia sequer estar no mesmo andar. Segundo Erik, Um dia antes de sua morte, Kitty confessou um que sabia sobre abusos.
— Você acha que eu sou algum tipo de idiota? As coisas poderiam ter dado certo em nossa família, caso você tivesse ficado com a boca fechada!
Erik tinha confidenciado para Lyle que os abusos sexuais continuavam a acontecer na semana que antecede os assassinatos. Em uma carta escrita para seu primo Andy Cano alguns meses antes do crime, o jovem também afirmou que os abusos que ele descrevera anos antes ainda estavam acontecendo. Quando Erik tinha dez anos, ele perguntou para Andy se o seu pai também massageava o seu órgão sexual. Cano ficou meio atordoado, pois isso nunca acontecera com ele. Erik teria dito que o pai fazia aquilo, e pedia para ele imitá-lo e isso era uma maneira de criar uma espécie de vínculo familiar. Durante o julgamento, foi apresentado um documento que mostrava que Erik, ainda na infância, tinha dado entrada no pronto-socorro com um machucado na garganta. Nessa época, o menino era obrigado a fazer sexo oral em seu pai. Quando Erik chegou na adolescência, seu pai, que costumava ejacular fora da boca do garoto, começou a obrigá-lo a engolir o seu sêmen. Por anos, June, irmã de Kitty, achava muito estranho o fato de que Erik era muito obcecado por comer coisas com limão e ketchup. Essa foi a maneira encontrada pelo garoto para mascarar o gosto da secreção paterna.
Em entrevista ao Dr Vicary, Erik explicou que tinha tido relações homossexuais em alguns momentos de sua vida. Aos 16 anos, quando terminou um namoro, Kitty passou a grampear o telefone de Erik, e teria ouvido uma ligação de tom romântico entre Erik e um garoto. Apesar dessas informações não terem sido levadas para o primeiro julgamento, muito era falado nos bastidores sobre isso e a promotoria começou a insistir na tese de que Erik havia matado os pais, pois não poderia se assumir como um homem gay. Os promotores, inclusive, indicavam que Erik teria inventado os abusos do pai, pois sabia como era a atividade sexual entre dois homens por causa de sua sexualidade. Além disso, também afirmaram que o jovem não havia contado sobre os abusos para a polícia, pois gostava de passar por isso. Foi um grande show de homofobia. Vale lembrar que, homens, independente de sua orientação sexual, são abusados sexualmente. Na época do julgamento, vários programas televisivos debochavam da confissão de Erik, inclusive em shows de comédia.
Além dos abusos sexuais, Erik era obrigado a treinar tênis quase o dia todo, mesmo que isso estivesse prejudicando o adolescente na escola. Quando os professores demonstraram que tanto Lyle quanto Erik tinham problemas de aprendizado, Jose fez vista grossa. O casal era tão preocupado com sua imagem que costumava fazer os trabalhos escolares dos filhos. Os professores começaram a desconfiar, pois eles tinham um desempenho ordinário na escola, mas suas tarefas domésticas eram perfeitas. Erik tem dislexia e, mesmo tendo dificuldade nos estudos, conseguia até tirar notas altas, o que é impressionante na sua condição. Ele sofria tanta pressão psicológica para obter boas notas que conseguia superar o seu problema. E quando ele tirava notas baixas, Erik era visto chorando pelos corredores da escola. Quando os professores tentavam acalmá-lo, o jovem desconversava, mas o seu pranto era causado por puro medo. Ele temia as agressões físicas que viriam por parte de seu pai. Jose queria que seus filhos só tirassem notas altíssimas, mas eles nem tinham tempo para estudar. Eles passavam quase o dia todo treinando. Como isso seria possível? Inclusive, Erik estava demonstrando agressividade durante a sua prática esportiva. Ele foi suspenso do time de tênis do colégio, pois estava muito agressivo. Ele estava apresentando um comportamento muito rebelde, o que era notório que ocorreria em algum momento. Em entrevista para o Inside the Menendez Movement, Craig Cignarelli, amigo de Erik, afirmou que Menendez era um jovem que gostava de ostentar o dinheiro que tinha. Se ele entrasse em uma loja e não fosse atendido imediatamente, ele tinha surtos. Chegara a jogar sapatos de uma mesa de uma loja enquanto dizia para os atendentes que estava lá para comprar algo.
Quando se mudaram para Calabasas, Kitty deu a Erik uma ordem: ele deveria arranjar uma namorada em seis meses. Ele encontrou uma garota mais velha no colégio Calabasas High, mas o relacionamento deles foi breve. Em uma festa, Erik e a garota discutiram, e Erik a trancou em um quarto. Ele não a deixava sair. Ela gritou e esperneou, mas Erik não a soltava. Finalmente, Erik deixou a garota ir. A garota já havia se cansado de Erik. Mais tarde, ela recordou que ele era "um dos caras mais estranhos que já conheci." "Ele é muito arrogante, muito confiante, mas no fundo tem muitos problemas e inseguranças." — Crime Library
Apesar de estar vivendo um momento turbulento, Erik demonstrava que queria seguir a carreira artística, e inclusive foi muito elogiado por sua atuação em uma peça de teatro. A professora queria que ele investisse nisso, mas Jose não gostou da história. Ele impediu Erik de continuar buscando esse sonho. Além de gostar de atuar, Erik também escrevia roteiros. Um deles, inclusive, foi usado contra ele no tribunal. Em Friends, escrito com a ajuda de seu amigo Craig Cignarelli, Erik narra a história de Hamilton Cromwell, um homem que mata os familiares por causa de dinheiro. Segundo a promotoria, isso demonstrava que ele já vinha premeditando a morte dos pais.
O verão de 1989
Enquanto Lyle era uma decepção por ser um delinquente, Erik decepcionava os pais, pois não se comportava como Jose queria.. E ao mesmo tempo que Jose contestava a sexualidade do filho, ela abusava sexualmente dele. Erik sonhava em ir para a faculdade, pois assim escaparia dos abusos. Jose só comunicou que ele não poderia ir para uma faculdade longe de Beverly Hills depois de sua formatura no Ensino Médio. Ele teria que continuar morando com os pais.
No verão de 1989, Erik estava no limite. Ele tinha passado a vida toda sendo controlado e sofria os mais variados tipos de abuso. Em uma analogia meio estranha, Erik e Lyle podem ser representados por um vulcão peleano. A montanha desse tipo vai armazenando pressão por muitos anos e, em um dia fatídico, a erupção violenta acontece. Obviamente, eu não concordo com o fato de que os irmãos tenham decidido matar os pais, nem estou relativizando isso. Mas era algo esperado diante de tantos tipos de abuso. Todas as pessoas possuem um ponto de ruptura. Lyle e Erik não suportavam mais tanto controle e colapsaram. Creio que o jornalista Tony Moran consegue resumir bem a situação no especial da ABC, Inside the Menendez Movement: — Os irmãos Menendez só se tornaram homicidas monstruosos, pois foram moldados por Jose. Eles eram muito controlados, não podiam ter atividades que não envolvessem esportes, não podiam ter amigos. Foram totalmente negligenciados emocionalmente na infância.
Nós precisamos entender que Lyle e Erik passaram a vida inteira em um estado de hipervigilância e sofriam os mais variados tipo de abuso. Para alguém que não tenha passado por isso, é fácil analisar esse caso de uma forma rasa, colocando-os apenas como dois jovens monstruosos que mataram os pais. Mas não. Eles sofriam de problemas de ansiedade desde a infância. Cérebros ansiosos tendem a interpretar situações de maneira mais negativa e podem perceber ameaças ou perigos onde, na verdade, não existe nada de palpável. Esse fenômeno está relacionado ao modo como a ansiedade afeta a percepção e o processamento das informações recebidas pelo cérebro. Então, era plenamente possível que eles achassem que corriam algum tipo de risco. Quando Erik tinha doze anos, ele decidiu fugir de casa. Jose o encontrou e disse que, se ele tentasse outra vez, ele o mataria. O garoto acabou incutindo em sua mente que nunca conseguiria se livrar de Jose. Menendez abusava dos filhos para demonstrar poder e controle. Ele poderia fazer qualquer coisa com eles. Por isso, eu afirmo veementemente que essa história é muito maior do que essa narrativa de que Erik e Lyle eram apenas dois jovens ricos que mataram os pais por ganância. Como eles mesmo disseram em entrevista concedida ao programa da jornalista Barbara Walters, ambos eram ricos, e os bens adquiridos após as mortes não contrastavam com o life style que eles possuíam. Inclusive, Lyle já disse que só comprou os relógios com anuência de seu tio, Carlos Baralt. Ele controlava o espólio de Jose. O ponto central aqui é a liberdade que eles almejavam. Eles queriam ser livres e acreditavam que teriam que passar o resto de suas vidas tendo que lidar com as expectativas irreais de seu pai. Eles estavam envelhecendo e o controle não acabava. Jose queria saber até o que os jovens falavam na sessão de terapia. As pessoas questionam: por que Erik nunca falou sobre os abusos sexuais praticados por seu pai para o Dr. Oziel? Pois o terapeuta informava todos os assuntos para Jose e Kitty. Menendez tinha deixado claro que mataria Erik se o tópico vazasse. Muita gente também aponta o fato de que eles estavam agindo como delinquentes antes do duplo homicídio, o que os caracterizariam como pessoas más Mas eu acredito que eles estivessem agindo assim, pois estavam se rebelando contra essas expectativas de Jose. Tem uma frase dita por Erik que é de quebrar o coração: — eu não denunciava os abusos sexuais que começaram na infância, pois era o único momento que eu tinha a atenção do meu pai. Ele era ignorado por todos. Quando Erik decidiu participar dos furtos, claramente estava tentando ter a atenção do irmão e impressioná-lo. Ele finalmente estava participando de algo com Lyle. Estava sendo incluso na vida dessa pessoa que ele tanto admirava. Ou melhor, foi obrigado a admirar por causa das comparações absurdas que Jose fazia entre os dois. Quando estava furioso com o caçula, ele costumava dizer: — por que você não é como Lyle? E o sonho de Jose deu certo. Quando Erik finalmente começou a agir como Lyle, ele se tornou um homicida.
Lyle e Erik são culpados pelo crime que fora cometido, mas isso só correu por causa da criação que tiveram: foram vítimas de abuso moral, sexual e físico. Eles não recebiam nenhum tipo de afeto tradicional dos pais e precisavam camuflar as suas emoções. A falta de afeição e validação emocional durante a infância pode ter consequências muito sérias no desenvolvimento psicológico e na autoestima. E isso é maximizado quando o indivíduo vive em um lar violento. Jose e Kitty criaram pessoas que enfrentariam vários problemas no futuro.
Pessoas boas também cometem crimes,
pois foram levadas a isso. Dessa forma, eu não acredito que os irmãos Menendez são monstruosos. Eles adoeceram ao longo do tempo por causa do excesso de controle e pelo comportamento abusivo dos pais. Eles foram conduzidos ao longo da vida por dois genitores controladores e com sérios problemas mentais. Jose era um pedófilo. Ele também abusou sexualmente de um integrante do grupo Menudo. Além da pedofilia, Jose tinha um nível de sadismo
impressionante. Os
abusos praticados por Jose eram um jogo de poder. Tanto que quando
ele supostamente foi confrontado por Lyle sobre o que estava fazendo com Erik, ele respondeu: — eu faço o que eu quiser com o meu
filho. Como disse a advogada Leslie Abramson, que defendeu Erik nos dois julgamentos, os Menendez eram quatro pessoas que precisavam de ajuda. O resumo desse caso é muito simples: dois pais
disfuncionais criaram dois filhos que desenvolveram problemas muito sérios. Dessa forma, Erik e Lyle não deveriam ter sido jogados em uma cadeia; eles precisavam de tratamento psiquiátrico. Passaram por muita coisa ao longo da vida, que sempre foi uma prisão para eles. Tanto que Erik disse, certa vez, que estar preso não era algo ruim, pois agora ele podia fazer seu próprio cronograma. Lyle, ao responder sobre o mesmo tema, afirmou que a vida na prisão não era tão diferente daquela que vivia sob a tutela de Kitty e Jose.
Anamaria Baralt, prima dos irmãos Menendez, tem uma conta no TikTok, onde fala um pouco sobre a família, e como está surpresa com a repercussão positiva em relação aos primos. Eles sempre foram cercados por muito ódio. Em um dos seus vídeos mais recentes, Anamaria disse algo muito importante: as pessoas tendem a olhar para essa história de forma sensacionalista, mas esquecem que essa tragédia destruiu sua família. Lyle e Erik eram muito próximos dela, assim como Andy Cano. Os quatro primos tinham quase a mesma idade e eram muito unidos. Quando os irmãos Menendez foram presos, Baralt e Cano ficaram tão abalados que começaram a usar substâncias ilícitas. Anamaria conseguiu se livrar do vício, mas Andy acabou perdendo a vida. Esses familiares testemunharam muitos dos abusos sofridos pelos irmãos e, devido à truculência de Jose, acostumaram-se a ficar em silêncio. Então, quando um fato dessa magnitude ocorre, é natural que essas pessoas sejam consumidas pela culpa. Andy e Anamaria, que eram muito jovens na época, também se sentiram responsáveis. É uma dor compartilhada por muitas pessoas. Lyle e Erik continuaram recebendo apoio de seus parentes, pois essas pessoas sabem muito bem quais foram as dificuldades que os irmãos tiveram que enfrentar até o momento de sua prisão. E é por isso que eu acho a série feita pelo Ryan Murphy tão ridícula. Os irmãos Menendez não são monstros. Eles foram criados por duas pessoas monstruosas!