11 dez. 20
[Especial Robert Englund] A Hora do Pesadelo (A Nightmare On Elm Street) - Direção: Wes Craven
Meu primeiro contato com Freddy Krueger foi em uma sessão noturna, conhecida como Cinema em Casa. Era exibida pelo SBT. Eu tinha quatro ou cinco anos. Eu senti muito medo. Mas, ao lado do temor, caminhava dentro de mim um fascínio muito grande por aquele personagem tão diferente. Ele não matava as pessoas no mundo real como todos os outros. Tudo acontecia no mundo dos sonhos. E eu, no meu universo infantil, muito distante de um possível acesso ao Google e de outras possibilidades de encontrar informação, passava horas desenhando aquele monstrengo de cara queimada e suéter vermelho e verde, e meditando: "seria possível morrer durante os sonhos e não acordar mais?" Até cheguei a cogitar que Freddy Krueger poderia ser um personagem real, fato que foi resolvido depois que minha irmã mais velha contou-me que ele era só um ator coberto por maquiagem.
A Hora do Pesadelo, definitivamente, teve um grande impacto na minha infância. Principalmente a cena em que Nancy (Heather Langenkamp) atende o telefone e a língua de Freddy salta pelo aparelho. Ele é o namorado da protagonista agora. Eu só assistiria o longa novamente, depois daquela sessão no SBT, na adolescência. A única fita VHS existente da película, disponível na minha cidade natal, estava estragada. Na época, não existiam downloads, torrents, etc. E, no ano de 2001, o SBT finalmente terminava com aquele longo período de espera. Sério, era um momento que eu aguardava com muita ansiedade. Eles exibiram o longa na Tela de Sucessos. Eu soube da novidade na biblioteca da escola, olhando o jornal, vendo a programação de filmes, coisa que era habitual. Então, quando me deparei com o anúncio, eu não podia acreditar. Talvez tenha ficado animada demais. Minha colega evangélica não estava muito entusiasmada: “não sei como você consegue ver esses filmes demoníacos”. Aquela experiência de reencontro foi muito empolgante. Eu cheguei a gravar o filme em uma fita VHS. Finalmente, todas as fotos que eu havia visto pela internet ganhavam movimento e eu reconhecia muitas cenas familiares. Treze anos separavam aqueles dois momentos, intercalados pelas centenas de vezes que vi as outras produções da franquia.
O primeiro A Hora do Pesadelo é um acontecimento da história do cinema de horror. Freddy Krueger surge em um momento em que todos os assassinos eram mascarados e silenciosos, sem deixar nenhuma nuance de sua personalidade transparecer. Krueger não. Ele era um monstro sobrenatural falante, provocador, com uma certa humanidade. De alguma maneira, ele pode ser considerado um elemento conservador da narrativa, o qual pune adolescentes que fazem sexo antes do casamento. Ao mesmo tempo, ele tem todo um apelo sexual muito latente, seja em suas frases lascivas ou em seus movimentos corporais. Não podemos esquecer. Freddy é um pedófilo. Essa história, porém, foi abrandada, pois o filme fora lançado em um período onde um caso gigantesco de abuso de crianças foi revelado na Califórnia. Ficou no roteiro a premissa do assassino de crianças, mas o gestual fantástico de Englund demonstra que existem mais camadas nesse universo. Craven escolheu a garra como a arma do serial killer para escapar do lugar comum das facas pontiagudas. Ele precisava de algo cortante,
mas que fosse algo diferenciado. Robert, que é um ator que nasceu no teatro, usa muito o corpo na atuação. Logo, forneceu para a sua companheira de cena movimentos precisos e memoráveis, que viraram a assinatura do vilão.
Wes queria sair do lugar seguro das produções slasher dos anos 80. E conseguiu reinventar o subgênero. Ele voltaria a fazê-lo nos anos 90. Quando todos pensavam que as produções do estilo estavam morrendo, surgia Craven para salvá-las. “Venha slasher, dê mais uma respirada”. Foi assim em 84, 94, 96, 2011. Enquanto muitos diretores buscavam a repetição, Wes procurava o novo. Certo dia, leu no jornal Los Angeles Times que refugiados do Camboja estavam morrendo enquanto dormiam. E essa doença, até hoje, não possui uma explicação científica. Era o que ele precisava para começar a escrever.
O roteiro do longa começou a circular. Em 1984, a Paramount estava pronta para fechar negócio, mas um filme surgiu no mercado com uma premissa semelhante. Tratava-se de A Morte nos Sonhos (Dreamscape), roteirizado por Chuck Russell. O plágio era evidente. O estúdio, assim, desistiu da produção. Wes ficou desolado. Era o seu primeiro grande contrato. Craven estava vivendo uma fase muito difícil. Chegara a perder a própria casa. Procurou ajuda então no mercado independente que, mais uma vez, seguiu apoiando suas ideias, por mais diferentes e ousadas que fossem. Mais especificamente, a produtora New Line Cinema. Robert Shaye acreditou no potencial de Krueger e começaram a montar a produção do filme
O elenco começou a ser formado. Heather Langenkamp ficou com o papel de Nancy. Johnny Depp, empurrado pelo seu amigo, o ator Nicolas Cage, estreava em um filme, assim como Jsu Garcia, que na época assinava como Nicki Corri. A atriz Amanda Wyss era uma “veterana” e já havia participado de algumas produções. Na parte adulta, John Saxon, uma lenda do cinema, interpretava o pai da protagonista. Como a mãe de Nancy, uma das musas de Robert Altman, Ronee Blakley. No papel de Krueger, Robert Englund, um experiente ator de teatro e televisão, o qual nunca tivera muita projeção em Hollywood.
Como eu disse no texto anterior, o enredo de A Hora do Pesadelo é uma grande analogia sobre a incerteza que rondava os EUA nos anos 80. Lares estavam sendo desfeitos. Explodia uma epidemia violenta de uso de drogas pelo país. Regan fora eleito e tentava solucionar os longos anos de estagnação econômica. Enquanto Craven escrevia, enfrentava problemas financeiros sérios. Era um pai de dois filhos adolescentes, o qual havia perdido sua casa e vivia de bicos, reescrevendo roteiros. Suas aflições foram canalizadas para o script. Ele criou essa fantasiosa história, onde uma cidade vive atormentada pelo fantasma de um criminoso. Quando estava vivo, Freddy Krueger trucidava crianças. Por um erro da polícia, ele conseguiu se livrar da prisão no julgamento. Solto, provavelmente voltaria a atacar. Os pais ficaram desesperados e fizeram justiça com as próprias mãos. Mas nem todos conseguiram viver com esse peso. E transformam-se nas suas piores versões. Quando Krueger ressurge na comunidade, os adultos não sabem como lidar com a situação. Na concepção deles, o monstro já havia sido eliminado. Na ausência de figuras adultas protetoras, Nancy precisa amadurecer antes do tempo para se proteger. A mecha branca que surge em seu cabelo marca essa transição.
Em certa ocasião, quando questionada se participaria de um novo filme da franquia, a atriz Amanda Wyss disse que sim, pois sua personagem, Tina, não havia morrido. Tudo não passou de um sonho de Nancy. E a ciência endossa essa teoria. Segundo Anthony Tobia, professor de Psiquiatria do Rutgers University’s Robert Wood Johnson Medical School em um estudo sobre o filme, fisiologicamente, é impossível alcançar a fase REM (onde acontecem os sonhos) tão facilmente. Só se Nancy sofresse de narcolepsia. Por isso, é mais plausível que Nancy estivesse sonhando o tempo todo, a partir do momento em que vai dormir na casa de Tina. Essa é a minha teoria. Impressionada pela fala da amiga e pela semelhança dos seus sonhos, Nancy adormece naquela noite e tudo que acontece, até a cena do carro de Glen, faz parte de um único pesadelo. Isso explicaria as cenas oníricas do filme e a mudança comportamental tão brusca de Nancy. A jovem angelical e delicada se transforma em uma super heroína, capaz de enfrentar seus maiores medos: seus pais omissos e o terrível homem da garra de ferro, que persegue implacavelmente sua amiga. Durante o dia, ela é somente uma garota de 15 anos que segue todas as regras. À noite, Nancy é invencível e até anda no corredor da escola sem o passe.