Entre nós e feitiços: Uma conversa com a jornalista e escritora Mara Leveritt

 

A jornalista e escritora Mara Leveritt/ Reprodução: Facebook Mara Leveritt

Quando eu comecei a estudar sobre o caso do West Memphis Three, coloquei minhas mãos em um livro, chamado Nó do Diabo, escrito pela jornalista Mara Leveritt. Eu terminei a leitura em três dias. Eu simplesmente não conseguia deixá-lo de lado. É um jornalismo investigativo hipnótico, e tal situação só tinha ocorrido comigo antes ao ler Hiroshima, escrito por John Hersey e A Sangue Frio, obra de Truman Capote.

Em 1994, Leveritt, então repórter do Arkansas Times, um jornal de Little Rock, capital do estado, passou a acompanhar os julgamentos de um trio de adolescentes, acusados de cometer um crime brutal na cidade de West Memphis: o assassinato de três crianças de oito anos em um suposto ritual satânico. Eles acabaram sendo condenados. Com o fim dos julgamentos, seguindo seu instinto de repórter, Mara passou a estudar o caso com precisão cirúrgica e conseguiu descobrir vários aspectos que poderiam ter feito toda a diferença nos dois júris dos jovens. Detalhes que foram ignorados pela promotoria. Além disso, a jornalista percebeu que haviam vários problemas na investigação policial. O resultado dessa pesquisa minuciosa é o livro Nó do Diabo (Devil's Knot), lançado em 2002, o qual foi transformado em um longa-metragem em 2013.

Em 2014, Mara escreveu, com a ajuda de Jason Baldwin, um dos jovens condenados pelo crime ocorrido em West Memphis, o livro Dark Spell: Surviving the Sentence. A obra é olhar pela jornada de Baldwin, preso por um crime que não cometeu, por presídios de segurança máxima do Arkansas. Ele tinha apenas 16 anos quando ingressou no sistema penal e passou por todo o tipo de situação. Condenado à prisão perpétua, o menino introspectivo, que gostava de desenhar, tornou-se um adulto dentro do cárcere. Todos os dias, atrás daqueles muros e grades, Jason tentava se adaptar e sobreviver às investidas violentas dos outros presos. Mesmo inocente, Jason era considerado um assassino de crianças. Quando finalmente foi liberado em 2011, em um acordo com o estado, Baldwin contou sua história para a autora, a qual conseguiu registrá-la de forma brilhante, preenchendo-a com outros fatos importantes do caso, os quais nos ajudam a entender como as coisas realmente funcionam no Arkansas.

Mara é, sem dúvidas, uma das jornalistas investigativas mais importantes dos Estados Unidos. Autora de três livros: The Boys on the Tracks (1998), Nó do Diabo (2002), Dark Spell: Surviving the Sentence (2014), ela é duas vezes ganhadora do Arkansas's Booker Worthen Prize. Ativista pelos Direitos Humanos, a escritora, nascida em Chicago, é uma das pessoas que estiveram na linha de frente da enorme batalha pela liberdade do West Memphis Three. Hoje, dentro do especial sobre o caso, converso um pouco com a autora sobre os seus dois livros, Nó do Diabo e Dark Spell.

[FG] Mara, em que momento você começou a trabalhar como jornalista no caso do West Memphis Three?

Eu comecei a escrever sobre o caso em 1994, alguns meses depois do segundo julgamento. Eu estava acompanhando o caso e, quando os vereditos foram de culpados, fiquei curiosa sobre o que os jurados haviam visto que os levaram a essa conclusão. Com o fim dos julgamentos, pude ir à polícia de West Memphis e olhar através do armário de provas. Lá eu encontrei as transcrições das duas "confissões" de Jessie Misskelley. Fiquei chocada por elas terem se tornado a base para as prisões e tudo o que se seguiu, e foi então que comecei a explorar o caso mais profundamente, escrevendo sobre o assunto.


[FG] Quando você decidiu transformar o caso no livro Nó do Diabo (Devil’s Knot)?


Depois de escrever meu primeiro livro, The Boys On The Tracks, sobre outro caso controverso, senti-me pronta para mergulhar no caso de West Memphis. Comecei a trabalhar no Nó do Diabo em 1998, cinco anos após os assassinatos.


[FG] Você fez uma investigação muito profunda. Você tinha alguma percepção sobre o caso que você acreditava antes de escrever e modificou ao final da pesquisa do livro?


Eu tinha suspeitas profundas sobre o padrasto de Christopher, John Mark Byers, enquanto escrevia o livro. As evidências subsequentes apontaram para o padrasto de Stevie, Terry Hobbs, embora eu não acredite que essas evidências tenham sido adequadamente investigadas. Tomo isso como um aviso para mim e para outros repórteres, como também deve ser para investigadores policiais, para ter muito cuidado ao tirar conclusões precipitadas.

[FG] Você foi muito corajosa e expôs muitas pessoas no livro e segredos obscuros de West Memphis. Você teve algum problema com isso?

Não estou interessada em expor os segredos pessoais de ninguém. Mas quando nossa polícia ou outros funcionários públicos ocultam informações que deveriam ser públicas, especialmente quando vidas estão em risco, eu tive que chegar a isso. Sinto que a transparência é necessária e que é dever do repórter trabalhar para isso.

[FG] Dark Spell, o livro que você coescreveu com Jason, é devastador. Pois é a história de um jovem que foi literalmente jogado em um presídio de adultos, em um julgamento onde não haviam evidências contra ele. O que motivou você a escrever o livro? O que mais lhe impressiona na história do Jason?

Fiquei emocionada com a conduta de Jason. Representantes de um poderoso sistema jurídico, que literalmente seguravam sua vida em suas mãos, lhe ofereceram um acordo: minta sobre seu amigo Damien e não vamos pedir a pena de morte para você. Ele recusou. Um garoto de dezesseis anos mostrando aos adultos o que é integridade. Eu achei sua coragem inspiradora. Depois que ele saiu, ele estava disposto a me contar sua história, então fiquei feliz em escrevê-la.

[FG] Mara, você tem planos de escrever mais algum livro sobre o caso?

Em 2015, fui convidada a escrever um livro sobre outro caso sério. Estou quase terminando e, quando finalizar, respirarei fundo e verei se tenho o último livro de West Memphis em mim. Se eu escrever, não será nada parecido com os outros dois.

Jason Baldwin e Mara Leveritt em 2011

Dark Spell e Nó do Diabo