Entre o gótico tropical, Jairo Pinilla e Caliwood: O cinema de terror colombiano – Entrevista com Gabriel Eljaiek-Rodríguez



Nos anos 70, a cidade colombiana de Cali era a mais pura efervescência cultural. Por causa da grande atividade cinematográfica no local, o munícipio recebeu o apelido de Caliwood. Foi lá que os diretores Jairo Pinilla, Luis Ospina e Carlos Mayolo fizeram os seus primeiros filmes de terror e levaram o gótico tropical para às telonas. Para contar um pouco sobre essa história fantástica, eu conversei com o professor da Savannah College of Art and Design, Gabriel Eljaiek-Rodríguez. O pesquisador, nascido na Colômbia, é autor de dois livros muito importantes sobre o cinema de terror feito na América Latina. Em "The Migration and Politics of Monsters in Latin American Cinema”, Rodríguez analisa as mais diferentes abordagens do terror no continente, percorrendo os slashers argentinos, o cinema cult porto-riquenho, os vampiros colombianos e cubanos, o sobrenatural mexicano e o terror andino. “Selva de fantasmas. El Gótico en la literatura y el cine latinoamericanos”, por sua vez, é uma radiografia sobre as influências do gótico no cinema de horror da América Latina. Nessa entrevista, Gabriel fala um pouco sobre o grupo de Cali, as origens do terror colombiano e, é claro, sobre o gótico tropical, o gênero cinematográfico típico da Colômbia.

[FG] Gabriel, como você começou a pesquisar filmes de terror? Você sempre gostou do assunto? Você lembra qual foi seu primeiro contato com gênero?

O cinema de terror e a literatura gótica são temas que me interessam há muitos anos e sobre os quais tem se baseado grande parte do meu trabalho investigativo. Talvez um dos meus primeiros contatos com o gênero — que eu recordo — foi a série estadunidense/canadense Sexta-Feira 13 (Friday the 13th: The Series), que consumi assiduamente quando tinha em torno de dez ou onze anos. Esse interesse inicial aumentou quando comecei a assistir aos múltiplos festivais de cinema em Bogotá, muitos deles especializados no gênero terror, como Zinema Zombie e outros centrados em diretores cult, como David Cronemberg ou Hideo Nakata. Depois deste momento inicial, marcado por interesse pessoal, no início de meu doutorado comecei a pensar no cinema de terror com um tema de investigação em geral, no cinema de horror latino-americano e colombiano, em particular e nos múltiplos cruzamentos deste tipo de cinema com tradições cinematográficas europeias e asiáticas.

[FG] Como você define o cinema de terror feito na Colômbia?

O cinema de terror que foi feito na Colômbia — e que se segue fazendo —, é um cinema híbrido, tanto em sua temática como em sua execução. Com isso, me refiro aos filmes que mesclam elementos de diferentes tradições culturais e cinematográficas com temas que são horrendos no contexto colombiano. Vampiros caleños aterrorizam fazendas açucareiras do Valle del Cauca e áreas urbanas da cidade de Cali, de maneira similar em como se vem fazendo nos castelos centenários dos Cárpatos. Da mesma forma, e apesar de que os fantasmas vingativos em Bogotá são similares aos yürei japoneses, os bogotanos centram sua vingança em problemáticas que são particulares ao conflito colombiano. Nesse sentido, o cine de horror na Colômbia é também um espaço de crítica política e social, que dependendo do diretor, se manifesta de forma mais ou menos visível.

[FG] O cinema de terror colombiano nasceu em Cali, em um movimento chamado Caliwood ou grupo de Cali. Por que você acha que a gênese do horror da Colômbia aconteceu neste lugar? Foi por razões artísticas ou houve outra razão específica para isso?

O cinema de horror colombiano nasceu em Cali, da mão de Jairo Pinilla e foi logo aperfeiçoado pelo chamado Grupo de Cali (conhecido também como Caliwood), formado pelos cineastas Luis Ospina, Carlos Mayolo, e o escritor e cinéfilo Andrés Caicedo. A razão, porque este tipo de cinema se desenvolveu primeiro em Cali, está relacionada em principio com os interesses dos diretores: Pinilla queria fazer um cinema de ruptura, diferente das produções tradicionais do cinema colombiano. E Ospina, Mayolo e Caicedo eram amantes do cinema de gênero, especialmente do cinema de horror, razão por que o usam em seus primeiros longa-metragens. Também — como afirmou Ospina em várias ocasiões, Cali, nos anos 70 e 80, era descrita como uma cidade que abraçou a contracultura em suas múltiplas variáveis, em contraposição às representações de Bogotá, como capital letrada, e Medellín como cidade industrial.

[FG] O pioneiro do terror colombiano é o diretor Jairo Pinilla, que lançou o longa Funeral Siniestro em 1977. Eu li muitos relatos sobre o seu trabalho e os críticos costumavam chamá-lo de "Hitchcock da Colômbia", "Ed Wood". E ele tem um currículo muito interessante, onde explora o paranormal, a morte. Como você avalia o cinema feito por ele?

Sim, Jairo Pinilla é considerado o pai do cinema de terror na Colômbia. Suas películas foram pioneiras do gênero no país e com elas o diretor familiarizou os espectadores colombianos com os tropos do horror, assim como com efeitos especiais próprios deste tipo de cinema, inexistentes nas películas produzidas no país. Seus filmes são produções inteligentes, cheias de giros narrativos, que estavam em sintonia tanto com os temas próprios do terror (mortos que regressam da sepultura, os limites morais da ciência), como atmosferas que podem ser consideradas assustadoras para o público colombiano. Sem ter o conhecimento técnico ou temático dos diretores do Grupo de Cali (profundos conhecedores do cânon do horror), Pinilla criou peças cinematográficas que romperam recordes de audiência e familiarizaram o público com este tipo de cinema. Devido a novidade dos temas tratados e o baixo orçamento da produção, as películas de Pinilla são consideradas como exemplos de cinema b, feito que é reafirmado por seu uso de atores naturais na grande maioria de sua obra cinematográfica — por isso também seja comparado com Roger Corman.

O diretor Jairo Pinilla


[FG] Você fez uma investigação profunda sobre as películas de Carlos Mayolo, Carne de tu carne, Pura Sangre — dirigida por Luis Ospina e Al Final del Espectro, obra de Juan Felipe Orizco. O que você acredita que esses cineastas agragaram ao subgênero de vampiros? O que a Transilvânia tropical trouxe de novo? Na Colômbia, se fala muito do Gótico Tropical, considerado como o único gênero de cinema próprio do país. Poderia falar um pouco sobre ele?

Gótico Tropical foi um termo cunhado pelo escritor colombiano Álvaro Mutis para descrever seu romance La mansión de Araucaima e logo foi retomado por Ospina e Mayolo para referir-se aos seus filmes de horror. Como o nome indica, descreve obras narrativas e fílmicas de temática gótica com uma ambientação tropical, isto é, localizadas em terras tropicais (no caso de Cali e seus arredores). No meu livro, Selva de fantasmas. El gótico en la literatura y el cine latinoamericanos, eu uso o termo tropicalização do gótico para me referir ao modo como escritores e cineastas latino-americanos transformaram o gênero gótico (e o horror) europeu e estadunidense, adaptando-o para contextos e políticas próprias do continente americano. No caso particular dos vampiros, como os nobres transilvânios e ingleses, se transformando em latifundiários colombianos, que ao invés de chupar o sangue com suas presas, utilizam uma agulha hipodérmica. E como, apesar dessa transformação, seguem sendo considerados monstros assustadores, capazes de criticar contextos sociopolíticos e falar do que em certos contextos se considera tabu — incesto, violência, política, o abjeto.

O diretor Luis Ospina



[FG] Carlos Mayolo e Luis Ospina faziam uma crítica social muito forte em seus longa-metragens. E o terror é frequentemente uma ferramenta usada para falar sobre as tensões sociais. Você acha que os movimentos paramilitares e a violência do narcotráfico influenciaram de alguma forma na construção do universo dos filmes de terror colombianos?


Sim. Definitivamente a violência na Colômbia (da guerrilha, do narcotráfico e do paramilitarismo) serviu — e segue servindo — como uma forte de inspiração perversa para o cinema de horror nacional. Diretores, como Ospina, Mayolo e Jaime Osorio Márquez (diretor de El páramo), situam a fonte do terror de suas películas no conflito e a luta fratricida que consumiu a Colômbia por mais de 60 anos. Tanto em Pura Sangre, de Ospina, como em Carne de tu carne, de Mayolo, os vampiros são mesmo de classes altas que empregam paramilitares para assassinar e, literalmente, sangrar as suas vítimas com impunidade. Por sua vez, em El páramo, o terror é gerado por soldados que, depois de anos de luta contra uma guerrilha fantasmagórica, não conseguem diferenciar entre quem é amigo e quem é inimigo. Como afirmei anteriormente, estes diretores são espertos em pegar imagens próprias do terror e adaptá-las ao ambiente colombiano e a seus conflitos, sem necessidade de serem óbvios ou cair em clichês.

O diretor Carlos Mayolo


[FG] Houve uma lacuna grande entre essa produção do grupo de Cali e os filmes de terror contemporâneos. Eu li que filmes não foram feitos novamente até 2006. Por que essa interrupção ocorreu? Qual é a principal diferença entre os filmes de terror feitos pelo grupo de Cali e os mais atuais?

Esta interrupção pode ser explicada por dois fatores que no fim estão conectadas entre si: a quantidade de dinheiro destinada para o cinema na Colômbia e os gêneros cinematográficos preferidos pelo público colombiano. A indústria cinematográfica colombiana nunca recebeu uma quantidade enorme de dinheiro por parte do estado e um dos fatores que mais impactou a produção fílmica do país foi o desaparecimento da FOCINE, a companhia nacional de fomento cinematográfico (ativa desde 1978 até 1993). Esta entidade financiou muitas das películas de terror feitas nos anos oitenta, inclusive as de Mayolo e Ospina e seu cancelamento produziu um considerável declínio na quantidade de películas criadas na Colômbia em um período de mais de uma década. Entre as poucas que foram produzidas entre 1993 e 2006, o terror não foi um gênero privilegiado pela indústria, em parte pelo desinteresse do público colombiano, acostumado a consumir comédias e dramas nacionais e películas de ação e horror internacionais. Nesse sentido, Al final del espectro reativou a produção de terror cinematográfico em 2006 e abriu espaço para novos diretores interessados no gênero.

[FG] Você escreveu um livro, intitulado The Migrations and Politics of Monsters in Latin America Cinema. E você cobre muitos tópicos interessantes, de vampiros cubanos a slashers feitos na Argentina. Qual tópico do livro você mais gostou de investigar? O cinema de terror de qual país chama mais sua atenção?

Para ser sincero, me interessa muito o cinema de terror de toda a América Latina, como dizes, desde os vampiros cubanos até os slashers argentinos. E me diverti muito investigando sobre diferentes tradições fílmicas do continente. Um tema que me interessou, em particular e com o qual aprendi muito com a escrita do livro foi o cinema de terror andino no Peru e Bolívia e a maneira como vem se desenvolvendo e expandindo nesses dois países nos últimos anos. A parte que mais me chamou atenção foi a maneira que os diretores com diferentes níveis de experiência fílmica levaram para a tela grande histórias de terror tradicionais dos Andes, como o Jarjacha (ou Qarqacha) ou o Pishtaco. Em alguns casos, os filmes são fiéis a história oral e outros a transformam e a adaptam para o público contemporâneo de filmes de terror.








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