04 jun. 19
O Cinema de Terror em Porto Rico
Os primeiros
registros do cinema em Porto Rico se entrelaçam com a invasão americana,
ocorrida em 1898. Naquele momento, o território fazia parte da Espanha e,
depois de fervorosas disputas, os espanhóis acabaram cedendo a ilha para os norte-americanos. Durante o conflito, era normal que os soldados levassem câmeras
cinematográficas para registrar o cotidiano do front de batalha. Por essa razão, o começo do cinema
porto-riquenho deu-se no campo do documental. Um drama em Puerto Rico foi o
primeiro longa-metragem do país. Dirigido por Rafael Colorado D'Assoy,
foi lançado em 1912. A primeira película ficcional, Por la hembra y el
gallo, só viria a ser desenvolvida em 1916.
O cinema de terror, por sua vez, só
apareceria na ilha em 1997, com o longa-metragem The Face at
the Window, dirigido pelo cineasta Radamés Sánchez. O filme
conta a história de uma escritora, a qual está escrevendo seu primeiro livro e
começa a ser atormentada por segredos familiares fantasmagóricos.
Radamés
voltaria flertar com o terror, mas de forma cômica, através do seu cultuado segundo
longa-metragem, a comédia de humor negro Celestino y el Vampiro (2003). A película conta a história de Celestino, um homem divorciado na casa dos quarenta anos. Ele decide voltar ao jogo do
romance e vai para San Juan para tentar a sorte. Ele não obtém muito sucesso no
amor, mas começa uma amizade com seu estranho vizinho, um europeu que conquista muitas mulheres. Com o tempo, um caçador de vampiros chega em Porto
Rico e alerta Celestino sobre as reais intenções do homem que vive em sua vizinhança. Ele então descobre
que seu confidente é, na verdade, um sanguessuga, o qual tem um modus operandi um
tanto peculiar: ao invés de morder suas vítimas no pescoço, ele prefere dar suas dentadas em suas
nádegas. O longa-metragem é cultuadíssimo em Porto Rico.
Radamés
Sànchez, hoje radicado na Espanha, é um dos diretores mais celebrados da cena
independente da ilha. Começou sua carreira como projecionista de cinema.
Trabalhou vários anos como câmera de televisão e cinema, recebendo vários
prêmios na área. Além de The Face at the Window e Celestino y el Vampiro, o
cineasta também viria a dirigir o longa-metragem El Detective Cojines (2011),
fechando o que os fãs chamam de Trilogia Sanjuanera. Eu conversei
brevemente com o diretor (atualmente ele enfrenta um problema de saúde). Ele destacou suas influências na composição dos seus dois primeiros filmes.
Celestino y el vampiro foi filmado em filme (super 16mm), que é muito mais caro que o digital. E o primeiro (The Face of the Window) também em filme, mas em 35mm, o que deu mais qualidade de imagem. O terceiro também foi em 35mm. Havia apenas três pessoas na tripulação: um cinegrafista, um ajudante, e eu como roteirista e diretor. Eu já sabia que iam gostar de Celestino, baseado em algumas pequenas exibições que eu fiz e ainda hoje é fielmente seguido por uma minoria. Minhas influências foram Woody Allen (seus primeiros cinco filmes), Mel Brooks, revista Mad Magazine ou outros comediantes de Nova York. Para a primeira, as influências foram obras literárias de terror do século XIX, como The Monkey’s Paw, The Turn of the Screw, Casting the Runes, e outros contos de medo. No cinema, as influências foram os filmes do diretor italiano Mario Bava e do inglês Terence Fisher.
O pioneirismo de Radamés Sánchez abriu as
portas para uma grande diversidade de produções do gênero, as quais foram
reunidas pela pesquisadora da Rollins College, Rosana Díaz-Zambrana
em um artigo do livro Horrofílmico. Na publicação, a professora aborda as
comédias de terror, como Celestino y el vampiro, e também a duologia Cannabis
Canibal e Cannibal Canibal II: Exodus, criada pelo diretor independente Franco
Gonzalez. Os dois longa-metragens foram lançados respectivamente em 2008 e 2009. Segundo Zambrana, as películas foram feitas da forma bastante amadora. As imagens foram captadas com uma câmera caseira. E mesmo com as
limitações técnicas, um público cativo se formou em torno dos filmes.
E mais, sem ter sido exibido em cinemas comerciais, nem estar disponível no formato DVD para a venda, estas modestas iniciativas — promovidas em grande parte do boca a boca e através das redes cibernéticas — se situam como propostas “diferentes” que, justamente por suas imperfeições e rusticidade, se convertem em material de culto para fãs comprometidos e seguidores com afinco de sua trajetória imprevista. (ZAMBRANA, 2012, p. 2010)
Apesar dos filmes de Radamés Sanchez parecerem ser mais profissionais, o
cinema de guerrilha sempre imperou em Porto Rico. O que, de fato, não é algo
negativo, pois essas produções amadoras são importantes para a manutenção do
gênero e abriram as portas para o estabelecimento do terror na ilha. Inclusive, desde 2006, Puerto Rico possui seu próprio festival
de cinema fantástico, chamado Lusca Fantastic Film Festival. O evento, criado
na cidade de Guaynabo, é uma importante janela para produções independentes porto-riquenhas.
ZAMBRANA, Rosana Díaz. zombis y chupanalgas em la Isla del espanto: la comedia de Horror em el cine de culto puertorriqueño. In:_____ e Tomé, Patricia. Horrofílmico. 1. ed. San Juan/ San Domingo: Isla Negra Editores, 2012. cap. 3, p. 2008-2025.