14 mai. 19
O cinema peruano de ontem e hoje: Entrevista com o pesquisador Jose Carlos Cano López
Em mais um capítulo do Final Chica, voltamos para a América do Sul para
falar um pouco mais sobre o cinema de terror peruano. Hoje entrevisto um
especialista no assunto, o professor e pesquisador José Carlos Cano López.
Docente da Pontifícia Universidade Católica do Peru, José é o autor do livro El
cine de terror. Historias de vampiros y qarqachas: Coincidencias y diferencias
entre Drácula y Qarqacha como protagonistas de películas de terror. Nessa obra,
López analisa as semelhanças e diferenças entre o personagem peruano Qarqacha
e o vampiro Drácula.
Nessa entrevista, José fala também sobre os pioneiros do cinema peruano e o
cenário contemporâneo do gênero no país.
[FG] José, como você começou a se interessar por filmes de terror?
Quando você começou sua investigação sobre os filmes de terror peruanos?
Eu gosto do cinema de terror desde criança. Os filmes de vampiros, com
personagens como Drácula, me causavam muito medo, mas ao mesmo tempo me
atraiam. Recordo que depois de vê-las não conseguia dormir ou eu costumava ter
pesadelos. Mais adiante, se converteram em meus filmes favoritos. Recordo que
todos estes longa-metragens eram estrangeiros, até que chegaram em minhas mãos
uns DVDs com o cinema de terror peruano. Dada a peculiar origem dessas produções,
decidi orientar a investigação do meu mestrado em Comunicação e explorar este
tema.
[FG] Muitas pessoas dizem que o primeiro filme de terror peruano foi
Cementerio General, de 2013. Mas existe uma produção anterior. Qual foi a
primeira película de terror do Peru?
De acordo com Ricardo Bedoya, crítico e
historiador de cinema, Annabelle Lee (1968) e La boda diabólica
(1971) de Enrique Torres Tudela seriam as primeiras películas de terror.
Entendi que são adaptações de contos de Edgar Allan Poe. Não tive a sorte de
vê-las. Cementerio General é a primeira película peruana de terror do século
XXI, que teve um impacto positivo nas bilheterias e que gerou muitas
produções do gênero.
[FG] Quem são os principais expoentes do
cinema de terror peruano?
Não sei se me compete fazer uma lista desse
tipo, mas o que posso fazer é indicar filmes que eu gostei. Eu gosto muito da
produção de Dorian Fernández-Moris, em particular Cementerio General 2 (2016).
Também gosto de Maligno (2016), filme de Casapía Casanova y Bardales, mas
produzida por Fernández-Moris. Eu gosto de El Ventre (2014) e No Estamos Solos
(2016), ambas de Daniel Rodríguez Risco. Destaco estes filmes porque o terror
nasce desde seus roteiros e não exclusivamente a partir de sustos provocados pela
música ou efeitos especiais.
[FG] Se você fosse indicar uma película para
uma pessoa que não tem nenhum contato com a produção cinematográfica peruana de
terror, qual seria o filme?
Cementerio General 2. Apesar de que costumam dizer que as sequências nunca
são melhores que suas antecessoras, creio que esse filme é uma exceção. Não se
parece com a primeira parte. Tem um formato diferente apesar de ser do mesmo
realizador. Suponho que o título respondeu mais a expectativas comerciais. A
razão que eu a recomendaria é porque conta com um bom roteiro, um bom elenco de
atores, uma fotografia impecável, assim como uma notável musicalização e
edição.
[FG] No
que pude investigar, o terror peruano tem uma característica muito forte de
explorar lendas e mitos, principalmente da região da Amazônia Peruana. Por que
você acredita que esta região tem tanta atenção dos diretores?
Na verdade, filmes baseados em lendas e mitos
foram desenvolvidos em mais departamentos do Peru, como Arequipa, Ayacucho,
Junín, Loreto, Puno, entre outros. Creio que a atração reside em contar
histórias que são próximas aos medos e preocupações locais em cada uma destas
zonas. São histórias que recriam a idiossincrasia tanto dos realizadores como
dos espectadores. São relatos que nascem de seu imaginário coletivo. Algo que
pude entender a partir de minha investigação foi que o cinema de terror é
altamente moralista. Por exemplo, criaturas como Qarqacha, podem ser vistas
como cruéis e vorazes, mas na realidade são a representação de um castigo imposto
por terem cometido incesto.
[FG] Você fez uma pesquisa muito grande sobre
a película Qarqacha, o demônio do incesto. O que te atraiu nessa história?
Vários fatores. O primeiro foi descobrir essa
película quando se conhecia muito pouco sobre a produção de cinema regional do
Peru. Fiquei agradavelmente surpreso que muitas dessas realizações foram
dedicadas ao gênero de terror. Segundo, essa película partia de uma história
baseada na mitologia andina. Não recorre à importação de uma criatura maligna para
o desenvolvimento do roteiro. Três. Foi feita com recursos escassos os quais
foram aproveitados ao máximo. Finalmente, o impacto que teve esta produção no
momento da projeção em sua localidade de origem. Cinemas e praças abarrotadas
com uma audiência cativa desfrutaram desta história ao ponto tal que a lenda de
Qarqacha serviu mais de um cineasta para contar sua própria história, como é o
caso de Melintón Eusebio ou Palito Ortega, ambos realizadores ayacuchanos.
[FG] O que você pensa do terror contemporâneo do Peru?
A realização cinematográfica no Peru tem crescido bastante nos últimos
quinze anos. Muitos desses filmes têm se dedicado ao gênero terror a partir do êxito
de Cementerio General, mas creio que se deve também a uma tendência do mercado
internacional. Atualmente sempre temos uma película de terror na carteira.
Respeito a produção nacional de terror. Penso que nos falta trabalhar mais nos
roteiros que são a estrutura das películas. Graças aos avanços tecnológicos, a
fatura visual e sonora de muitas películas é bastante interessante, mas isso
não pode ser tudo o que se oferece ao espectador. A música incidental e os
efeitos digitais de pós-produção devem estar ao serviço da narrativa, não pode
sustentar uma história na base de uma série de sustos repetidos sem o respaldo
do suspense criado pela própria trama. O formato found footage (técnica narrativa de um filme fictício para
apresentar-se como se fosse material descoberto), é muito recorrente em nossas
produções nacionais recentes. Este formato nos dá a forma, mas você não pode
negligenciar o fundo, que é a história em si. Infelizmente, sem um argumento
sólido, nenhum filme é sustentado. Eu gostaria de ver histórias mais
inclusivas, que reflitam a realidade de nosso país, para poder ver além do que acontece
em Lima.
[FG] O que você mais gosta no cinema de terror peruano? E o que crê que
ele se diferencia do terror feito em outros países?
Eu gosto muito o que fez o cinema regional no
começo de 2000: narrar histórias locais e expor os próprios medos de cada grupo
social. Nosso país goza de uma grande multiculturalidade que poderia ser
aproveitada. Também compreendo que conseguir financiamento para projetos que
não tem um precedente de êxito pode ser complicado. Os investidores esperam
ganhar mais do que gastam em cada realização. Penso que focar-se em histórias
locais, de nossa diversidade nacional, poderia ser um diferencial importante
para nosso cinema. Dar-lhe cor, som e sabor local é uma alternativa
interessante. Poderíamos tomar como exemplo o que tem sido feito por
realizadores regionais há 20 anos e adicionar todos os recursos que adquirimos
e aprendemos nos últimos anos.