O cinema peruano de ontem e hoje: Entrevista com o pesquisador Jose Carlos Cano López




Em mais um capítulo do Final Chica, voltamos para a América do Sul para falar um pouco mais sobre o cinema de terror peruano. Hoje entrevisto um especialista no assunto, o professor e pesquisador José Carlos Cano López. Docente da Pontifícia Universidade Católica do Peru, José é o autor do livro El cine de terror. Historias de vampiros y qarqachas: Coincidencias y diferencias entre Drácula y Qarqacha como protagonistas de películas de terror. Nessa obra, López analisa as semelhanças e diferenças entre o personagem peruano Qarqacha e o vampiro Drácula.
Nessa entrevista, José fala também sobre os pioneiros do cinema peruano e o cenário contemporâneo do gênero no país.
[FG] José, como você começou a se interessar por filmes de terror? Quando você começou sua investigação sobre os filmes de terror peruanos?
Eu gosto do cinema de terror desde criança. Os filmes de vampiros, com personagens como Drácula, me causavam muito medo, mas ao mesmo tempo me atraiam. Recordo que depois de vê-las não conseguia dormir ou eu costumava ter pesadelos. Mais adiante, se converteram em meus filmes favoritos. Recordo que todos estes longa-metragens eram estrangeiros, até que chegaram em minhas mãos uns DVDs com o cinema de terror peruano. Dada a peculiar origem dessas produções, decidi orientar a investigação do meu mestrado em Comunicação e explorar este tema.
[FG] Muitas pessoas dizem que o primeiro filme de terror peruano foi Cementerio General, de 2013. Mas existe uma produção anterior. Qual foi a primeira película de terror do Peru?
De acordo com Ricardo Bedoya, crítico e historiador de cinema, Annabelle Lee (1968) e La boda diabólica (1971) de Enrique Torres Tudela seriam as primeiras películas de terror. Entendi que são adaptações de contos de Edgar Allan Poe. Não tive a sorte de vê-las. Cementerio General é a primeira película peruana de terror do século XXI, que teve um impacto positivo nas bilheterias e que gerou muitas produções do gênero.
[FG] Quem são os principais expoentes do cinema de terror peruano?
Não sei se me compete fazer uma lista desse tipo, mas o que posso fazer é indicar filmes que eu gostei. Eu gosto muito da produção de Dorian Fernández-Moris, em particular Cementerio General 2 (2016). Também gosto de Maligno (2016), filme de Casapía Casanova y Bardales, mas produzida por Fernández-Moris. Eu gosto de El Ventre (2014) e No Estamos Solos (2016), ambas de Daniel Rodríguez Risco. Destaco estes filmes porque o terror nasce desde seus roteiros e não exclusivamente a partir de sustos provocados pela música ou efeitos especiais.
[FG] Se você fosse indicar uma película para uma pessoa que não tem nenhum contato com a produção cinematográfica peruana de terror, qual seria o filme?
Cementerio General 2. Apesar de que costumam dizer que as sequências nunca são melhores que suas antecessoras, creio que esse filme é uma exceção. Não se parece com a primeira parte. Tem um formato diferente apesar de ser do mesmo realizador. Suponho que o título respondeu mais a expectativas comerciais. A razão que eu a recomendaria é porque conta com um bom roteiro, um bom elenco de atores, uma fotografia impecável, assim como uma notável musicalização e edição.
[FG] No que pude investigar, o terror peruano tem uma característica muito forte de explorar lendas e mitos, principalmente da região da Amazônia Peruana. Por que você acredita que esta região tem tanta atenção dos diretores?
Na verdade, filmes baseados em lendas e mitos foram desenvolvidos em mais departamentos do Peru, como Arequipa, Ayacucho, Junín, Loreto, Puno, entre outros. Creio que a atração reside em contar histórias que são próximas aos medos e preocupações locais em cada uma destas zonas. São histórias que recriam a idiossincrasia tanto dos realizadores como dos espectadores. São relatos que nascem de seu imaginário coletivo. Algo que pude entender a partir de minha investigação foi que o cinema de terror é altamente moralista. Por exemplo, criaturas como Qarqacha, podem ser vistas como cruéis e vorazes, mas na realidade são a representação de um castigo imposto por terem cometido incesto.
[FG] Você fez uma pesquisa muito grande sobre a película Qarqacha, o demônio do incesto. O que te atraiu nessa história?
Vários fatores. O primeiro foi descobrir essa película quando se conhecia muito pouco sobre a produção de cinema regional do Peru. Fiquei agradavelmente surpreso que muitas dessas realizações foram dedicadas ao gênero de terror. Segundo, essa película partia de uma história baseada na mitologia andina. Não recorre à importação de uma criatura maligna para o desenvolvimento do roteiro. Três. Foi feita com recursos escassos os quais foram aproveitados ao máximo. Finalmente, o impacto que teve esta produção no momento da projeção em sua localidade de origem. Cinemas e praças abarrotadas com uma audiência cativa desfrutaram desta história ao ponto tal que a lenda de Qarqacha serviu mais de um cineasta para contar sua própria história, como é o caso de Melintón Eusebio ou Palito Ortega, ambos realizadores ayacuchanos.
[FG] O que você pensa do terror contemporâneo do Peru?
A realização cinematográfica no Peru tem crescido bastante nos últimos quinze anos. Muitos desses filmes têm se dedicado ao gênero terror a partir do êxito de Cementerio General, mas creio que se deve também a uma tendência do mercado internacional. Atualmente sempre temos uma película de terror na carteira. Respeito a produção nacional de terror. Penso que nos falta trabalhar mais nos roteiros que são a estrutura das películas. Graças aos avanços tecnológicos, a fatura visual e sonora de muitas películas é bastante interessante, mas isso não pode ser tudo o que se oferece ao espectador. A música incidental e os efeitos digitais de pós-produção devem estar ao serviço da narrativa, não pode sustentar uma história na base de uma série de sustos repetidos sem o respaldo do suspense criado pela própria trama. O formato found footage (técnica narrativa de um filme fictício para apresentar-se como se fosse material descoberto), é muito recorrente em nossas produções nacionais recentes. Este formato nos dá a forma, mas você não pode negligenciar o fundo, que é a história em si. Infelizmente, sem um argumento sólido, nenhum filme é sustentado. Eu gostaria de ver histórias mais inclusivas, que reflitam a realidade de nosso país, para poder ver além do que acontece em Lima.
[FG] O que você mais gosta no cinema de terror peruano? E o que crê que ele se diferencia do terror feito em outros países?
Eu gosto muito o que fez o cinema regional no começo de 2000: narrar histórias locais e expor os próprios medos de cada grupo social. Nosso país goza de uma grande multiculturalidade que poderia ser aproveitada. Também compreendo que conseguir financiamento para projetos que não tem um precedente de êxito pode ser complicado. Os investidores esperam ganhar mais do que gastam em cada realização. Penso que focar-se em histórias locais, de nossa diversidade nacional, poderia ser um diferencial importante para nosso cinema. Dar-lhe cor, som e sabor local é uma alternativa interessante. Poderíamos tomar como exemplo o que tem sido feito por realizadores regionais há 20 anos e adicionar todos os recursos que adquirimos e aprendemos nos últimos anos.

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