02 abr. 19
O terror argentino de Demián Rugna
Hoje o Final Chica te leva até a Argentina. Conversei
com Demián Rugna, o diretor do longa-metragem Aterrorizados (Aterrados).
Foi um bate-papo muito legal sobre o filme, que fez muito sucesso entre os
brasileiros, as influências do cineasta e a sua opinião sobre o cinema de
terror feito em terras argentinas.
[FG] Como você começou a se interessa por cinema de
terror? Quais são as tuas influências?
Eu, desde criança, desenhava
histórias copiando filmes que me fascinavam quando era pequeno: Alien,
Sexta-Feira 13, Tubarão, V, Criaturas, A Hora do Pesadelo, O Exterminador do
Futuro, etc. Enquanto brincava com meus brinquedos, imaginava que estava
fazendo filmes e comprava tempero vermelho para mesclar com água e fabricava
meu próprio sangue. O cinema me levou para a literatura, através de Stephen
King e passava lendo Lovecraft, Poe e Clive Barker em minha adolescência. Creio
que tudo isso que nomeei foram minhas grandes influências. E talvez um nome em
particular. Foi uma série de obras dos anos 80, quando ainda era criança e, ao
invés de ser fanático pelo Homem-Aranha ou Batman, eu era fanático pelo Jason
Voorhees.
[FG] Aterrorizado é um filme
fantástico. Assisti no Netflix e imediatamente comecei a fazer uma publicidade
para meus amigos. Existem muitos clichês no subgênero de assombração. É difícil
fazer um filme de atividade paranormal original?
Obrigada! O que é difícil é encontrar um bom roteiro.
Creio que hoje em dia tudo já foi visto. O valioso é usar os mesmos elementos
que já conhecemos em uma história mais original. A pior coisa que pode acontecer
com um filme de terror é ser previsível, que se perca a surpresa. Para mim,
usar clichês é válido se você conseguir surpreender ou pegar o espectador
desavisado. O terror é como o humor, se alguém lhe conta uma piada e, no momento
em que você está contando você adivinha o final da piada, então não será
engraçado. É uma questão de redação, roteiro e atuação, essas são as
ferramentas do diretor. Eu sinceramente não sei se eu poderia fazer um bom
filme de terror com um roteiro ruim. Eu gostaria de tentar, mas acho que seria
impossível para mim. Seja paranormal ou não. O que é bom sobre o paranormal é
que ele oferece possibilidades mais criativas do que outros subgêneros. Precisamente
porque eles não têm uma forma definida e tornam as leis e os códigos amplos.
[FG] Eu preciso te dizer que
Aterrorizados mexeu muito comigo. Eu sou calejada quanto a filmes de terror,
mas fiquei com muito medo. A cena do banheiro, em particular, me deixou de boca
aberta. É muito original, estupenda. Preciso te perguntar. Como foi gravar
aquela cena?
Eu fui cauteloso e consegui reservar 2 dias e meio de
filmagens para aquela cena. Calculei que o filme levaria 25 dias de gravações e a
cena comeu 10% das filmagens e durou 2 minutos. Foi estranho, a única cena no
estúdio, metade das coisas que propus não funcionavam como eu queria, então
tivemos que improvisar muito com o manequim da mulher. Tenho sorte de ser
montador, então sabia que tinha alguns momentos gloriosos, mas eram muito
poucos. O resto sabia que não ia servir. Creio que foi fundamental uma boa
pós-produção para resgatar tomadas perdidas e roubar tomadas que nunca fiz nos
planos. Teve um momento muito forte, pois tínhamos a atriz presa em arnês. E o
arnês não funcionava bem, e na parte de cima a pobre atriz se batia de verdade
contra as paredes e isso lhe causava muita dor. Ela gritava para que parássemos,
mas o estúdio era muito grande e estava longe de quem operava o arnês. Não
entendiam o que dizia a mulher, sequer escutavam meu grito de que parassem de
batê-la contra as paredes. Pensei que tudo ia ir ao inferno em algum momento.
[FG] Uma coisa que me deixou muito
impressionada na película é a ambientação. Pois você fica naquele clima do
terror o tempo todo. Ainda que não esteja acontecendo nada de paranormal. É
muito mais subjetivo do que algo que realmente você pode ver. E isso não é uma
coisa fácil. Quero saber de ti: Isso foi uma consequência do roteiro ou algo
que foi criado minuciosamente?
Penso que sempre foi uma consequência do roteiro. Eu
tomei a película como um grande drama. Foi também a consequência de colocar a
cena do banheiro no início do filme. Isso, creio que predispõe a todos os
espectadores a não querer voltar a passar por isso. Também sempre tentei que
nas atuações exista o maior realismo possível. Nos diálogos e nas reações dos
personagens. Mas sempre foi claro para mim: o tom dramático do filme iria fazer
que o humor brotasse naturalmente sem forçá-lo. A veracidade das situações iam
dar a credibilidade ao terror e a cena do banheiro no começo ia predispor o
espectador para toda a película.
[FG] Sua primeira película (The
Last Gateway) é sobre um homem que tem um portal para o inferno no estômago. É
algo muito criativo. Você poderia falar um pouco como foi o processo de criação
dessa película?
(Risos) Tenho
uma hérnia no estômago. Isso sempre gerou muita acidez estomacal quando era
jovem. Entendo que ali nasceu a ideia. The
Last Gateway foi minha primeira película, eu tinha somente 25 anos e me
sinto muito orgulhoso de fazer um filme desse estilo em meu país. Era um
momento onde quase nada era feito no gênero de terror e sobretudo, com a
ambição que tinha nessa película. Haviam efeitos especiais o tempo todo, todos
os dias. A maioria dos atores nunca haviam feito nada do gênero e desconfiavam
todo o tempo do que eu estava fazendo. Jamais esquecerei que o monstro no final
da película, quando comecei a fazer a primeira tomada com ele, o ator que
estava vestido de monstro desmaiou e começou a ter convulsões. Tiveram que
arrancar o traje em pedaços e levá-los ao hospital. Então terminei essa
película com restos de monstro. Eu queria morrer, mas não tínhamos outra
maneira, nem dinheiro para voltar a fazer o monstro. Foi uma loucura. Quem nos
deram o dinheiro, pediram que fosse em inglês para poder vender no exterior, porque
na Argentina era impossível vendê-la, então tivemos que fazer um casting de
atores argentinos que falassem bem inglês. Isso foi duríssimo. E creio que foi
a falha do filme. Um grande erro que custou que ninguém reconheça a minha
primeira película como ela merecia no meu ponto de vista e isso gerou minha
primeira grande frustração com o cinema.
[FG] Como você vê o cinema de terror na Argentina? O
que você gosta mais nas películas de terror argentino?
Vejo que cresceu muito em quantidade e isso faz que
cresça também em qualidade. Por sorte, tivemos aqui 24 anos sem estrear nos
cinemas uma película de terror nacional. De 2008 até agora estrearam
muitíssimas. Foram dez anos de crescimento e creio que agora podemos começar a
dizer que há produtos que se consolidam. Acho que o público costuma não
assistir ao cinema argentino porque está acostumado a assistir a filmes de
entretenimento de Hollywood, mas acho que chegou a hora de dar a eles mais uma
opção. Há muitos preconceitos em nosso próprio público também com o nosso
próprio cinema, o que dá muita raiva e faz que você fique muito exposto ao
fazer o gênero, porque a exigência é muito alta. O que eu mais gosto no cinema
de terror na Argentina? Que ele exista. E isso é o suficiente para mim agora.
Foram muitos anos de luta para que o instituto apoiasse esses conteúdos e
também gosto que ele seja diverso. Isso sim.