14 abr. 19
O cinema hondurenho de Carla Calderón-Hedman
Carla Calderón-Hedman é uma das cineastas mais importantes de Honduras. É, por si só, a pioneira do país. A diretora soube que queria trabalhar com filmes na infância e começou a atuar no teatro aos 13 anos. Mais tarde, estudou comunicação e cinema nos Estados Unidos. Radicada na Espanha, nunca esqueceu suas raízes. Sempre retorna para as terras hondurenhas para contar suas histórias. Em 2007, Carla lançou seu longa independente Posuíd@s. Trata-se da segunda película de terror de Honduras. O projeto teve uma continuação em 2011, chamada Poseí2. Os filmes narram a história de jovens que brincam com o tabuleiro de Ouija e sofrem as consequências desse ato. Em entrevista ao Final Chica, a cineasta fala sobre seus longa-metragens, cinema hondurenho e seu projeto atual, Esperanza de Honor.
[FB] Carla, como você começou a se interessar por filmes de terror?
Eu gosto muito de arte e o cinema de terror é uma arte em tudo o que implica. Mais que o terror, eu gosto do suspense. Não saber o que vai acontecer de um segundo para o outro. Esse tipo de filme ajuda muito o espectador a se desestressar. Tira toda a adrenalina à flor da pele e libera a tensão acumulada. Isso é o que eu mais gosto no cinema de terror.
[FG] Posuíd@s (2007) é a segunda película de terror de Honduras. Poderia falar um pouco sobre o conceito da película?
É baseado em fatos reais e conta a história de alguns jovens que jogam Ouija e soltam um espírito que os persegue até acabar com cada um deles. Na vida real foram estudantes do Ensino Fundamental, mas na película os fiz universitários. Se tivesse feito com crianças teria dado muito mais medo, mas teria sido muito perturbador. Também, a ideia básica era alertar os jovens sobre os perigos que eles correm ao jogar com algo proibido.
[FG] É baseada em fatos reais?
Sim, é baseada em fatos reais que aconteceram na década final dos anos 70, começo dos anos 80.
[FG] O que te inspirou durante o processo de criação de Posuíd@s e sua continuação, Posei2?
Minha inspiração sempre se baseou nos fatos reais.
[FG] A continuação de Posuíd@s, Posei2, é uma película ainda mais intensa, envolvendo religião, exorcismo. Como foi abordar esses temas em um país tão religioso? Como você vê a recepção de seus longas de terror em Honduras?
O público gostou muito, mas a censura da primeira parte me persegue até o dia de hoje. A segunda parte só era exibida duas vezes ao dia. Às 3 da tarde e às dez da noite. Para evitar que as pessoas a vissem. Às três todo mundo está em seus centros de estudo ou no trabalho. Às dez da noite ninguém sai pela violência e insegurança que se vive no país. Apesar de tudo isso, muita gente foi vê-la.
[FG] Seu filme foi censurado em Honduras. Quais foram as motivações governamentais para isso? Esse precedente afetou teus outros trabalhos?
Não foi o governo. Foi um distribuidor de filmes que comunicou o departamento de censura para se queixar. Porque Posuíd@s estava monopolizando toda a atenção midiática e do público. A sala (uma única sala), onde se apresentava a película, estava sempre cheia e as demais estavam praticamente vazias e isso o incomodava muito. A censura me chamou e pediram 20 mil lempiras, um pouco mais de mil dólares na época e me neguei a pagá-los. E me censuraram por uma cena onde sai a coluna de uma atriz. Isso, até o dia de hoje, afeta meus trabalhos. Quando fiz Poseí2, a censura foi boa comigo e a deixou para maiores de 12 anos. Mas o mesmo distribuidor ameaçou os cinemas de não ceder seus filmes caso pusessem a minha. Os cinemas pequenos não aceitaram minha película. E os demais cinemas somente a colocaram em dois horários, os quais já mencionei: às três da tarde e às dez da noite.
[FG] O primeiro longa-metragem de terror hondurenho foi lançado em 2002. Em relação a outros cinemas nacionais, podemos dizer que foi tardio. Você acredita que o fato do país ter uma violência alta fez com que os diretores não tivessem interesse em produzir filmes dessa forma?
Não é isso. Na realidade foram feitas um par de filmes dramáticos antes, mas não deram a importância que deveriam. Juan Carlos Fanconni, que é o produtor e diretor de Almas de la Media Noche, foi o primeiro a impulsionar o cinema hondurenho e isso tem muito valor. Foi uma casualidade que sua película fosse de terror. Ele tem mais películas, muito boas e não tem nada a ver com o cinema de terror. É um jovem muito talentoso.
[FG] Honduras é considerado o país mais violento do mundo fora de uma zona de guerra. E seu mais novo projeto, que está em pós produção, Esperanza de Honor, é sobre as gangues de rua, que basicamente tomaram conta de muitas partes de Honduras e estão por trás, inclusive, do alto fluxo migratório hondurenho para outros países. Como surgiu o projeto? Foi difícil abordar o tema?
Escrevi o roteiro há 12 anos e dá mais medo que Poseíd@s e Poseí2, porque é o que atualmente está acontecendo em nossa sociedade a nível mundial. Não somente em Honduras. É difícil abordar o tema, porque ninguém quer aceitar essa horrível e crua realidade.
[FG] Você é a única mulher fazendo cinema em Honduras. Por que você acha que isso acontece no país?
Creio que simplesmente há que se aventurar na piscina, sem se importar se há água ou não. E não é fácil fazê-lo também. Não há apoio para o cinema. Os únicos que têm sorte são aqueles que de alguma maneira estão ligados aos políticos. Sejam seus filhos, primos, sobrinhos ou amigos de alguém no poder. Os demais tem que buscar a vida.
[FG] Em sua opinião, o que é mais difícil: filmar o terror sobrenatural ou o da vida real?
O terror da vida real é muito mais aterrorizante porque é evidente e latente. Está ali, nos olhando na cara. Se você sobe em qualquer transporte público, corre o risco que te assaltem e te matem. O pior pesadelo se viveu em *23 de dezembro de 2004. E tomamos esse pesadelo como pedra angular de nossa história.
*No dia 23 de dezembro de 2004, um grupo de 28 pessoas foram assassinadas em um ônibus, na cidade de San Pedro Sula, ao norte de Honduras.